sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Notas sobre História do Direito - A Formação da Tradição Juridica Ocidental

Este pequeno ensaio (ou melhor, conjunto de notas extensas que necessitam de uma organização posterior) surgiu da leitura do livro Direito e Revolução - A Formação da Tradição Jurídica Ocidental, de Harold Berman (UNISINOS, 2004) e a partir das aulas do professor Dr. Sandro Alex Simões, que assisto como Monitor da disciplina História do Direito e do Pensamento Juridico no Centro Universitário do Estado do Pará. 


A Criação da Tradição Juridica Ocidental na Revolução Papal de Gregório VII.

O Direito Costumeiro
Logo após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, houveram sucessivas invasões de povos bárbaros (godos, alamanos, hunos,etc) cujos costumes jurídicos eram muito distintos da Tradição Juridica Romana. Com essas invasões, todo o grande território unificado que era o Império do Ocidente passa por um processo de desagregação, dissociação, desordem e conflitos intermináveis dos povos bárbaros entre si. 
Tendo estes povos costumes muito diferentes entre si e alguns eram naturalmente inimigos de outros, esse período inicial da Alta Idade Média ficou marcado pelo pluralismo juridico/político, pluralidade de ordenamentos (que são diferentes de sistemas juridicos, como mais claro ficará) nos quais prevalece uma especie de direito tribal baseado muitas vezes no alto valor dado à honra e aos juramentos (principalmente entre os germânicos),o que acabou por sedimentar espécies de retribuições talionicas, proporcionais ao delito cometido por alguém. Será visto mais tarde a importância que a passagem dessa vingança privada para a retribuição monetária pelo delito vai inovar de certa maneira o processo de pacificação de conflitos entre esses povos. Além desse caráter fragmentário, costumeiro e tribal, pode- se dizer que outro elemento importante da ordem juridica desses povos é a presença de um certo Direito Romano vulgarizado (e sem coesão orgânica ou sistemática)que se mesclava às características citadas e dava a estes povos (sobretudo os germânicos) um caráter jurídico particular.

Essas característica tribal, costumeira e quase religiosa do direito em alguns momentos fez com que ele fosse um tanto quanto estático nesses povos, e viesse apenas de costumes imemoriais cuja mais ínfima modificação se mostra como indesejável. Isso só foi mudar a partir da difusão o cristianismo e do desenvolvimento do poder real, que transcende o localismo tribal; ora, uma vez que o cristianismo é por si uma fator de unificação na fé dos povos e mostra a relatividade dos costumes em relação ao valores necessários à salvação e que o poder real torna os povos um só e de certa forma vai unificando-os até mesmo culturalmente, isso abala essa imutabilidade dos costumes tribais e seu localismo. Na verdade, ainda haviam muitos impedimentos para uma unificação maior da sociedade, tais como o localismo da economia e a dificuldade de comunicação.

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Outro fator importante para a compreensão do futuro desenvolvimento de um sistema juridico no Ocidente é o sistema de penitenciais , que teve origem nos mosteiros, e buscava auxiliar os padres a ministrar o Sacramento da Penitência. Esse sistema compilado por clérigos formava um conjunto de regras não oficiais que ajudava este a saber a gravidade de cada pecado em cada circunstancia e prever qual penitencia lhe corresponde por cada um desses pecados. Veio auxiliar e unificar — ainda que de maneira não oficial — as penitencias entre os mosteiros, uma vez que podiam haver duvidas ou discrepâncias muito grandes entre duas penitências dadas pelo mesmo pecado, dependendo do sacerdote que ministrasse o sacramento. Com o tempo, o costume da Penitência Pública dos pecados foi sendo substituído — sob influencia dos celtas — pela confissão auricular, individual.

Dentro do desenvolvimento das relações do cristianismo com os povos bárbaros , podemos analisar o estreitamento da relações com Carlos Magno, coroado no Natal do ano 800 pelo Papa. 
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O que é conhecido como sistema jurídico teve origem no final do séc. XI e início do XII, no seio da Igreja Católica. Sistema Jurídico é diferente de ordem jurídica.

Veio da afirmação mais veemente da supremacia papal, na chamada Revolução Papal de Gregório VII — em 1075 —  sobre toda a Igreja ocidental e declaração de independência de todo poder secular. Dessa maneira, a Igreja consegue uma identidade jurídica independente de reis, imperadores, senhores feudais. A base social que o catolicismo formou foi muito importante como fator unificador, a partir da comunhão da mesma fé entre os povos, e assim, poderia-se dizer que havia um populus christianus .
A partir deste momento, o direito arcaico dos povos tribais foi praticamente desaparecendo nos séculos seguintes.

Direito Canônico: Primeiro sistema juridico ocidental moderno

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O direito canônico foi o primeiro sistema jurídico do Ocidente. Isso não quer dizer que não tenha havido antes ordem jurídica alguma: são conceitos diferentes. Anteriormente, as leis ecleasiásticas eram mais como que um combinado de exortações de fontes difusas do que um sistema propriamente dito.
Essas normas eclesiásticas a principio tiveram muita influencia do direito romano até mesmo em questão de casamento, sucessões, propriedade ,etc. Isso se deu porque a Igreja acabou por ser vista como depositária do direito romano, dentro do turbilhão bárbaro e de sua multiplicidade nas leis e costumes. Geralmente, as normas no primeiro milênio mesclavam fontes diversas, tais como a Bíblia (principalmente algumas regras do Antigo Testamento), algumas fontes de Direito Romano (ja vulgarizado) e o Direito Costumeiro dos povos germânicos.

Essas leis eclesiásticas tinham antes da codificação uma relação mais profunda com a liturgia, vida moral e sacramental; eram quase que indistintos um do outro. A sistematização esteve ligada principalmente e diretamente à Revolução Papal de Gregório VII, de onde se tornou mais forte o papel centralizador do Pontífice e tornou mais forte sua autoridade perante as Igrejas Ocidentais, tanto para assuntos espirituais, quanto à questões legislativas dentro da Igreja. Essa sistematização legislativa (levada a cabo pelo monge Graciano) tornou-se o que chamamos de Direito Canônico, cuja influência do Direito Romano (que estava a vias de ser redescoberto) se mostrou presente com o surgimento de uma classe relativamente nova de intelectuais : os canonistas. Estes eram como que uma especie de juristas eclesiásticos, glosavam os textos e fizeram com que este sistema superasse um imobilismo. Ele possibilitava um desenvolvimento orgânico e dinamico, apesar de algumas vezes desordenado. 

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