quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A Vida Intelectual — A.D. Sertillanges (Excertos).


Estes são alguns trechos que recolhi da minha leitura do livro. É um livro repleto de pérolas a garimpar, e que cada página possui uma profundidade tal que não é possível esgotar tudo o que uma leitura atenta pode oferecer. Um ditado diria que “ler é reler”, ou dizendo melhor, um bom livro é aquele que merece uma releitura; pois bem, este merece várias releituras.
Uma indicação valiosa, para os que se interessarem pela leitura do livro, é o canal do Youtube “As Travessias: Literatura e Filosofia”, que contem comentários capítulo por capítulo deste livro. São excelentes. Link: https://www.youtube.com/channel/UC7CJJ3Ih0dX8VccstD1QbNQ

Prefácio à segunda edição:

“Querem os senhores compor uma obra intelectual? Comecem por criar em seu interior uma zona de silencio, um hábito de recolhimento, uma vontade de despojamento, de desapego, que os deixem inteiramente disponíveis para a obra; adquiram esta disposição das faculdades mentais isenta do peso de desejos e de vontade própria, que é o estado de graça do intelectual. Sem isso, não farão nada, em todo caso, nada que valha.”
  • A submissão intelectual à verdade
“O intelectual não é filho de si mesmo; ele é filho da Ideia, da Verdade Eterna, do Verbo criador e animador imanente a sua criação. Quando pensa corretamente, o pensador segue Deus a risca; ele não segue sua própria quimera. Quando tateia e se debate no esforço da busca, ele é Jacó lutando com o anjo e ‘forte contra Deus’.” (SERTILLANGES, 2010, p.12)
  • Razão natural e a fé.
“A razão tem por ambição apenas um mundo; a fé lhe da a imensidão.” (Ibdm, p. 18)

Capítulo I: A vocação intelectual.

  • Analogia: o intelectual e o atleta.
“Os atletas da inteligencia, tal como os do esporte, devem prever as privações, os longos treinos e uma tenacidade as vezes sobre-humana. É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue. A verdade só esta a serviço de seus escravos.” (p. 22)
  • A vocação intelectual
“A humanidade cristã é composta de personalidades diversas, dentre as quais nenhuma abdica sem empobrecer o grupo e sem privar o Cristo eterno de uma parte de seu reinado. (…) Não sejam infiéis a Deus, a seus irmãos e a si próprios rejeitando um chamado sagrado.” (p. 22–23)
  • A verdade é prêmio do labor.
“Obter sem pagar é o desejo universal; mas é um desejo de corações covardes e de cérebros enfermos. O universo não acorre ao primeiro sussurro, e a luz de Deus não aparece sob a nossa lâmpada sem o rogo de nossa alma.” (p. 23)
  • A lógica viva.
-Logica viva: “Desenvolvimento de nosso espirito, ou verbo humano, por seu contato direto ou indireto com o Espírito e o Verbo divino, esse estudo grave e essa prática perseverante lhe abrirão a entrada do santuário admirável” (GRATRY, apud SERTILLANGES, p. 27)
“A solidão vivifica tanto quanto o isolamento paraliza e esteriliza.”
  • Toda verdade teórica é também prática.
“O verdadeiro cristão manterá permanentemente diante dos olhos a imagem desse globo onde a cruz esta fincada, onde os humanos necessitados erram e sofrem, e onde o sangue redentor, em filetes numerosos, procura vir a seu encontro. A porção de claridade que ele [o intelectual] detém o reveste de um sacerdócio; o que ele quer alcançar com isso é uma promessa implicita de dom.
Toda verdade é prática; a mais abstrata em aparencia, a mais elevada, é tambem a mais prática, Toda verdade é vida, orientação, caminho em vista do fim humano. Eis porque Jesus Cristo disse como uma afirmação unica: Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida.”

Capítulo II: As virtudes de um intelectual cristão.

As virtudes comuns: “A virtude contem a intelectualidade em potencial, pois, conduzindo-nos a nosso fim, que é intelectual, a virtude equivale ao supremo saber.” (p.31)
  • O bonum e o verum
“O verdadeiro cresce na mesma terra que o bem, suas raízes se tocam. Se arrancados dessa raiz comum e por isso menos ligados à sua terra, um ou o outro padecem, a alma fica anêmica ou o espírito debilitado. Pelo contrário, ao alimentar o verdadeiro ilumina-se a consciência; ao fomentar o bem, guia-se o saber.” (p. 32)
  • A virtude e vida moral
“A virtude não é a saúde da alma? E quem ousará dizer que a saúde não interfere em nada na visão? Perguntem ao oculista. Um clínico inteligente não se limita a medir a curvatura do cristalino e a escolher armações de óculos; (…)ele se preocupa com seu estado geral,com sua dentição ,com seu ritmo de vida, com suas vísceras. (…)
Como farão para pensar adequadamente com uma alma doente,com um coração triturado por vícios,dilacerado pelas paixões, desorientado por amores violentos ou culpados? Há um estado de lucidez e um estado de cegueira da alma,dizia Gratry,um estado são e,consequentemente, sensato, e um estado insensato. ‘O exercício das virtudes morais’,nos diz por sua vez Santo Tomás de Aquino, ‘virtudes pelas quais são refreadas as paixões ,importa sobremaneira à aquisição da ciência’ . (SERTILLANGES, 2010, p. 33)
  • Vida intelectual e vida de oração.
“Estudar tanto que não mais se pratique a prece, o recolhimento, que não mais se leia nem a palavra sagrada, nem a dos santos, nem a das grandes almas, tanto que se caia no esquecimento de si mesmo e que, de tão concentrado nos objetos do estudo, se chegue a descuidar do hóspede interior, é um abuso e uma enganação. Supor que assim se progredirá mais equivale a dizer que o rio fluirá melhor se sua fonte secar.
A ordem do espírito deve corresponder à ordem das coisas. No real, tudo se eleva ao divino, tudo dele depende, porque tudo dele provém. Na efígie do real em nós, as mesmas dependências se manifestam, a menos que tenhamos transtornado as relações do verdadeiro.” (p.39)
  • Notas:
(i) Disciplina do corpo: As boas disposições corporais auxiliam as disposições intelectuais.
(ii) Espirito de oração: Beber da Fonte da Eterna Verdade para reconhecer melhor as pequenas verdades que nos remetem para àquela, suprema.
(iii) Unidade entre vida intelectual e vida moral.

Capítulo III: A organização da vida

(i) Simplificar, eliminar futilidades e inimigos da laboriosidade,
(ii) A solidão auxilia no trabalho intelectual (lembrando que distingue-se do isolamento, que é prejudicial a este).
(iii) Cooperar com seus semelhantes.
(iv) Equilibrio entre vida ativa e contemplativa.
(v) Preservar o silencio interior.
  • Solidão e silencio.
“A solidão que lhe é recomendada é menos uma solidão de lugar que uma solidão de recolhimento; ela é elevação mais do que afastamento; ela consiste em se isolar pelo alto, graças ao dom de si as coisas superiores e mediante a fuga das leviandades, das divagações, da mobilidade e de toda vontade caprichosa; ela realiza a conversatio in caelis do apóstolo ao levar nossa morada e nosso trato ao céu dos espiritos. Tenham a inspiração interior, o comedimento, o amor daquilo a que se entregaram, tenham ao seu lado o Deus da Verdade, e estarão sozinhos em pleno universo.” (p. 65–66)

Capitulo IV: O tempo do trabalho.

  • O intelectual não é insensível ao mundo.
“Adquiram então o hábito de estar presentes nesse jogo do universo material e moral. Aprendam a olhar e confrontem o que se apresenta aos senhores com suas ideias costumeiras ou secretas. Não enxerguem numa cidade unicamente casas, mas vida humana e história. Que um museu não lhes mostre quadros, e sim escolas de arte e de vida, concepções do destino e da natureza, orientações sucessivas ou variadas da técnica, do pensamento inspirador, dos sentimentos.
Que uma oficina não lhes fale somente de ferro e de madeira, mas da condição humana, do trabalho, da economia antiga e recente, das relações de classes sociais. Que as viagens lhes ensinem a humanidade; que as paisagens lhes evoquem as grandes leis do mundo; que as estrelas lhes falem das durações incomensuráveis; que os pedregulhos do caminho representem para os senhores resíduos da formação da terra; que a visão de uma família se una a seus olhos à das gerações , e que o menor relacionamento lhes traga informações sobre a mais elevada concepção do homem. Se não souberem olhar assim, não se tornarão ou não serão mais que um espírito banal. Um pensador é um filtro em que a passagem das verdades deposita sua melhor substancia.” (SERTILLANGES, 2010, p. 70)

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