terça-feira, 30 de outubro de 2018

A POÉTICA HISTÓRIA DO DIREITO. - Autor: Lucas Fonseca dos Santos


Poema apresentado na XIX Jornada JurÍdica do CESUPA

Uma história tenho para contar
De muitos tempos, e como historiador.
Os versos hão de me ajudar
a falar do Ocidente com um poema de louvor.

Não da geral história pretendo dizer
Mas daquela parte em que se tem por protagonista
o Direito, para suas mudanças perceber,
Em suas instituições, suas crises e conquistas.

Mas o que é o Direito se pode questionar:
Se não passam de regras escritas,
Ou se algo diferente tem lugar
Que do conceito possa nos dar pistas.

Se não fosse o costume também direito,
Mais de quatro séculos não se poderia retornar
Cultura e institutos tem de entrar nesse conceito estreito,
Para que mais de vinte séculos se possa explicar.

Da romana história veio Remo,
Que viria uma parte da história então fundar,
A grande Roma assim foi concebendo,
Que viria à toda Europa dominar,
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Durante treze séculos então maturou,
uma grande herança, grande sistema,
Que a tudo que se diz direito a ele se voltou,
E de Remo à Justiniano se sustenta.
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Do cuidado com a forma e palavra dos homens
Se consolida assim o real direito
Que se mostra pelas legis actiones
E quase religioso é seu efeito.

À República a Realeza vai seu lugar cedendo,
Já não somente por palavras o Direito se forma,
E um espaço aqui a palavra vai concebendo
À justiça que se faz per formulas.
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Do maior Republicano Jurisprudente,
Se ouve com amargura o lamento sincero,
De ver o Augusto Poder que se estende,
Englobando todos os poderes nas mãos do Império.
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Se extraordinária foi a expansão,
Extraordinário foi o retrocesso,
Se torna ordinário o domínio de tudo,
Pela ação do extraordinário processo.

Tendo todo Direito posto a escrito,
Vão decaindo magistrados e jurisprudentes,
E do Imperador domínio estrito
As leis tem sua nascente.

Corrupção, crise e invasão,
No Romano Império já decadente,
Foram motivo de queda e quase destruição,
Da Águia que fugiu para o Oriente.
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Por séculos debaixo da terra o nobre direito ficou,
Que esperava o grande descobrimento,
Da magnifica compilação que o Imperador deixou,
Que do Ocidental Direito foi fundamento.
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De três rios bebeu o medieval período,
Do caminhante grego o pensamento,
Do Divisor da História o “confiteor”,
E de romana gente o procedimento
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Assim se formou o axial período,
E nos cânones criou-se o sistema,
Do qual tendo do grande Codex bebido,
Alcançou uma autoridade extrema.

De Sassoferrato surge o interprete,
Que o Justinianeu direto desenvolve,
E faz com que uma nova visão desperte
E para o interior do sujeito o ius se volte.
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Se na Eterna Cidade o ius era medida e soma
Pelas laterais as glosas enviavam
Este ius para dentro das personas
Que a faculdade da vontade utilizavam.

A cultura da época convém também percorrer,
Das letras à teologia se estudava em um só lugar,
Em busca do universal saber,
Que muitos lumes fez despontar.
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Nas triplas artes iniciando,
Moldavam sua inteligencia para o conhecer
E a scientia magna prescrutando
Esperavam a sabedoria infusa receber.
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Se divinas eram as letras, divina também é a Comédia,
Que a Florentina Pátria legou aos poetas tristes,
Que compunham cantigas inéditas,
Cada um para a sua Beatrice.
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E na viagem com Virgilio navega e encontra,
O mar onde desaguam os três rios,
Que o axial período assim remonta,
O Filho, o romano e o gentil.
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E no topo de um magnifico castelo,
O maior intelecto medieval,
Quer imitar o pequeno poverello,
E ser no mundo luz e sal.
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Sua obra pelo mundo então se espalha,
Tão grande era sua inteligencia,
Mas sua humildade nada mais vê do que palha,
Naquela obra que foi sua mais extensa.

E dos cânones do sétimo Gregório surge o sistema,
De Graciano a codificação segura,
No qual o futuro direito engrena
Que a Civil Codificação prefigura.
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Aqui se encerra o breve poema,
Que prescruta nossas raízes,
E do Direito e sua importância extrema,
Parte de sua vida, e parte de sua crise.


segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A Antropologia Filosófica personalista de Karol Wojtyla (São João Paulo II) na obra Amor e Responsabilidade. (Parte I)

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Este texto surgiu a partir de uma palestra que fiz acerca da Filosofia do amor humano de Karol Wojtyla (São João Paulo II) - o livro que mais utilizei foi escrito na época em que ele era Cardeal - e busca assentar algumas bases antropológicas para o aprofundamento posterior da Metafísica do amor, Psicologia do amor e de sua analise Moral do amor (temas que serão tratados nas próximas postagens). É preciso dizer que a vida de São João Paulo II por inteiro foi a vida de um apóstolo, e o jeito apaixonado com que escreve mostra o quanto sua vida foi marcada pelo Amor, com "A" maiúsculo, o Amor que lhe explicou tudo, e que o moveu na Graça de Deus em seu pontificado. Deixo aqui este pequeno texto como homenagem a este grande homem de Deus que tanto amou a Cristo e Sua Igreja. Que ele interceda por nós junto à Deus!

Algumas leituras complementares e perspectivas de investigação possiveis: "Thomistic Personalism: An Investigation, Explication, and Defense" de Michael Camacho (disponivel em: https://dlib.bc.edu/islandora/object/bc-ir:102062/datastream/PDF/view) , onde o autor remonta as raízes do personalismo tomista e sua relação com a fenomenologia de Husserl e analisa se esta é uma abordagem necessária ou possivel, e busca sintetizar a estrutura da ação humana analisada por Wojtyla em sua obra filosófica magna: The Acting Person".

Outro manual importante, apesar de ser sintético demais, é a obra "RECENT CATHOLIC PHILOSOPHY THE TWENTIETH CENTURY" de Allan Vincellete, na qual o autor classifica Wojtyla como um dos expoentes do Neo-Tomismo (discordo quanto à sua classificação, pois creio que por sua obra e influencias se encaixaria melhor na corrente de "Fenomenologia", juntamente com Hildebrand e Edith Stein [Santa Elizabeth da Trindade]) juntamente com Etienne Gilson e Jacques Maritain,

De uma relevância extrema é um aprofundamento na obra do gigante Dietrich von Hildebrand (para uma introdução, aqui: https://aconsolacaodafilosofia.blogspot.com/2018/09/notas-biograficas-de-dietrich-von.html). De primeira, a pequena pérola escrita por Hildebrand "O amor entre um Homem e uma Mulher" é um precedente importante para a obra de Wojtyla, e sou de opinião que o grande Cardeal de Lublin teve ao menos algum contato com a obra de Hildebrand. No mais, outra obra relevantíssima - que estou lendo no momento, por sinal - é o livro The Nature of Love, que parece fazer uma das análises mais meticulosas e densas sobre a natureza do amor humano. Hildebrand é como que um dos pais da que ficou conhecida como Teologia do Corpo, pela sua reabilitação e investigação do papel do afeto para a vida humana, se afastando de uma visão um tanto quanto intelectualista ou voluntarista até então em voga.

Finalmente, outras duas indispensáveis são Os Quatro Amores, de C.S Lewis, na qual o amor humano é também relacionado e iluminado pelo Amor Divino - este livro de Lewis, de todos é o menos denso filosoficamente, mas é relevantíssimo talvez por essa mesma razão; a última indicação, é a grande obra de Juan Cruz Cruz "O Êxtase da Intimidade" , que revisa quase toda a bibliografia citada e tem um foco especial no tratamento do amor humano feito por Santo Tomás de Aquino.

Espero que possa ser útil! Ad Majorem Dei Gloriam
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1. INTRODUÇÃO E PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS.
Em nossa sociedade, a menção mesma de um trabalho sobre moralidade sexual causa espanto. Mas o espanto ao ouvir essas duas palavras juntas, apesar de serem idênticos tanto na velhinha puritana do século passado quanto no jovem progressista contemporâneo, parecem ter razões bem diferentes. Enquanto a velhinha puritana ficaria escandalizada com a explicitação da palavra “sexual”, o jovem ficaria abismado de estar em pleno século XXI e ter de descobrir que em vez de uma liberdade da moralidade, estão a lhe propor uma moralidade para a liberdade.

Essa reação de espanto não se deve ao fato de sermos exemplos de pudor, ou de excessiva reverência para com um tema tão importante, tampouco é que seja algo ocultado, mas sim porque vivemos em uma sociedade hiper sexualizada. O sexo já se tornou classe social, nota identitária, na qual se tem uma miríade de opções sexuais possíveis às quais o pertencimento já traz uma série de deveres e pautas a serem defendidas. Em nossas casas as novelas expõe cenas que poderiam ser classificadas facilmente como pornografia; nas redes sociais e na internet em geral o mesmo ocorre; nos filmes as cenas de sexo muitas vezes são pensadas como atrativos para atrair mais espectadores; na literatura popular, os “best-sellers” são romances eróticos; as músicas se esvaziam cada vez mais de qualquer conteúdo e passam a reduzir suas letras a palavras que buscam despertar a sensualidade dos ouvintes, etc.

Não é verdade que não falem do tema de moral sexual por ser um tema tão recorrente que qualquer coisa a mais poderia ser um adicional banal, mas sim a própria repetição frenética e explicita do sexo em todas as áreas possíveis banalizou o tema.Não é a palavra “sexo” que incomoda; não é por valorizarem o pudor que fogem do tema para guardar um valor moral, mas sim fogem do termo “moral” justamente por compreender o que seja pudor e temerem as exigências dos valores.

É preciso falar do tema justamente porque não se para de falar nele; é necessária uma análise séria sobre aquilo que para muitos não passa de brincadeira; é preciso estudar o amor em uma sociedade que, ao chamar qualquer coisa de amor, acaba por torna-lo qualquer nada; é preciso uma análise satisfatória sobre o tema do amor humano, pois o recorrente problema de identificar o amor com o máximo prazer, além de aniquilar qualquer possibilidade de amor, acaba também por acabar com o prazer, justamente porque só há prazer — como dizia G.K. Chesterton.

Dessa maneira, é preciso dar a conhecer a liberdade verdadeira do amor num ambiente que aprendeu que “é proibido proibir” e se esquece a lição do grande escritor inglês G.K. Chesterton, que dizia que “toda grande alegria se inicia com um pequeno veto”, e que onde se vê apenas a busca de libertar-se de qualquer verdade sobre o amor, essa “libertação” degenera em nada menos que escravidão. 

Por fim, é preciso buscar a Fonte Verdadeira do Amor, sabendo que “Deus é Amor” (1Jo 4,8), mas sabendo também que dizer que o amor é deus é cair em uma das maiores decepções e enganos, uma vez que como disse C.S Lewis em seu clássico Os Quatro Amores, toda vez que se adora o amor como um deus, ele se torna um demônio.

Publicado primeiramente em vez em 1960, o livro é, ao mesmo tempo (i) uma resposta antecipada a todo o desastre que havia de ocorrer na Revolução Sexual de 1968, suas consequências sociais e politicas para a difusão de métodos contraceptivos, a ampla aceitação do aborto como método de tomada dos meios de reprodução femininos (Firestone, por exemplo), o enfraquecimento das notas de exclusividade e permanência dentro do matrimonio e até mesmo a relativização do próprio conceito de matrimônio; e por outro lado, é também (ii) uma antecipação da encíclica do Papa Paulo VI, Humanae Vitae, onde o amor esponsal ganha um tratamento especial a partir de uma análise na qual o amor dos esposos se une intimamente e se revela na fecundidade e na abertura à vida.

Dada a eminencia do tema, o Cardeal Wojtyla buscou assentar sólidos fundamentos antropológicos de matriz personalista para que suas conclusões pudessem ser o mais profundas possíveis. Aqui, é preciso que recordemos que o personalismo filosófico teve o autor como um de seus mais eminentes representantes, tendo este sido um dos filósofos mais relevantes da escola de Lublin (um dos três centros onde o personalismo floresceu com mais força, juntamente com dos Estados Unidos e a França de Mounier) e fundado uma nova forma de pensar o personalismo, através das contribuições de Santo Tomas de Aquino e sua antropologia filosófica, que ficou conhecida como Personalismo Tomista. De fato, foi a partir de um ensaio apresentado na Universidade de Lublin no ano de 1961 que o termo “personalismo tomista” pode se difundir.

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2.PRESSUPOSTOS ANTROPOLÓGICOS DE SEU PERSONALISMO.
Primeiramente, a antropologia filosófica que precede o estudo do amor humano tem por base alguns postulados (que podem ser melhor explicados em outro ensaio) próprios da filosofia tomista, quais sejam : 
(i) A pessoa humana é uma unidade substancial de alma racional e corpo (de forma e matéria): de onde se exclui qualquer interpretação extremamente espiritualista (de que o homem é somente sua alma e que todos os valores materiais existentes devem ser desprezados) e também qualquer interpretação hedonista ou materialista (de que o homem é só corpo e que deve seguir todas as exigências deste). A pessoa por inteiro é este composto, e não se reduz nem a sua condição anímica, tampouco a sua condição corpórea. (ST, I, Q. 75, art. 4, resp 2)
(ii) a forma substancial de cada ente lhe provê um télos, um fim: ora, a alma racional do ser humano lhe dispõe para agir segundo a razão, para que seja plenamente razoável na escolha de seus meios e fins verdadeiros e assim possa se realizar nesta vida (beatitudo imperfecta) e na próxima pela ação da Graça Divina (beatitudo perfecta)
(iii) a alma é principio de organização da matéria, de movimento e de operação. 
(iv) O homem possui livre arbítrio e capacidade de autodeterminação: esta livre arbítrio, por sua vez, tem seu valor subordinado à bondade dos fins que intende. Somente na vida segundo a razão que o ser humano é verdadeiramente livre. Buscar fins moralmente maus é como que uma escravidão. Quanto mais se afasta da razoabilidade do pensar e no agir, menos livre sera (este ponto por si ja poderia ser expandido, por sua riqueza).

Tomados esses pressupostos, o Cardeal Wojtyla começa por distinguir na realidade o que podemos chamar de “algo” (coisas) e as realidades que podemos chamar de “alguém”, ou seja, as realidades que não são meros objetos inanimados, mas de certa forma, são agentes. Os animais se encaixam nessa categoria de certa forma (forma imprópria), mas o ser humano esta mais propriamente e eminentemente nesta categoria, por ser pessoa. O autor assim expressa:
 “O termo ‘pessoa’ foi escolhido para sublinhar que o homem não se deixa encerrar na noção de ‘individuo da espécie’; porque há nele alguma coisa mais, uma plenitude e uma perfeição de ser particulares, que não se podem exprimir senão empregando a palavra ‘pessoa’.” (WOJTYLA, 2016, p. 16)
As principais notas distintivas são que manifestam essa perfeição de ser particular são: (i) natureza racional, (ii) interioridade, (iii) autodeterminação fundada na reflexão e capacidade de escolher o que fazer — livre arbítrio — , (iv) Incomunicabilidade e inalienabilidade de si mesmo — alteri incommunicabilis.

Tendo visto essa diferença entre as pessoas e as coisas, Wojtyla busca formular o que ele chama de norma personalista. A pessoa é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito, é um ente objetivo-subjetivo:é uma realidade objetiva no mundo exterior, mas não é redutível a essa ordem da natureza física; possui também seu aspecto subjetivo, possuindo uma interioridade, uma vida interior que não é exteriorizada em todos os momentos. Ora, se a vida inteligente consiste em ordenar os bens segundo critérios objetivos (hierarquia dos valores) e subjetivos (plano de vida individual), e cada objeto possui uma hierarquia de valor determinada, a virtude — que para Santo Agostinho é ordo amoris — consiste em ordenar e tratar cada valor de forma reverente segundo sua relevância objetiva e subjetiva. 
Assim, cada objeto de certa forma nos impõe uma certa reação, e a pessoa nos impõe uma atitude, atitude esta que se diferencia de nossa atitude perante as coisas (uma pedra, um brinquedo, etc).

Isto é algo que claramente provém de sua inspiração tomista, uma vez que Santo Tomás, ao tratar da alma como forma do corpo (ST, I, Q.76, art. 1, respondeo), vê que a forma é tanto mais nobre quanto mais domina a matéria corporal e quanto menos imersa na matéria esta; dessa forma a alma humana, possuindo capacidades que excedem a matéria corporal — a capacidade abstrativa que alcança os universais, por exemplo —e não dependem desta como causa (ainda que dependa como origem) é a mais elevada em nobreza. E mais do que tudo isso, à luz da Revelação, pode-se dizer que “o mundo das pessoas é diferente e, por natureza, superior ao mundo das coisas (das não pessoas), pelo fato de ter sido criado à imagem de Deus” (WOJTYLA, 2016, p. 34)


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3. A CRÍTICA AO UTILITARISMO E A NORMA PERSONALISTA.
Às coisas nós podemos usar, podemos usa-las como meios para atingir nossos fins (jogo, técnica, etc), mas às pessoas, por sua eminencia na hierarquia de ser, a atitude exigida é o amor (que será estudado mais profundamente em outra sessão). Em razão de sua capacidade de determinar a si mesmo e escolher seus próprio fins, a pessoa humana não pode ser utilizada como simples meio para que se atinja um determinado fim. Não pode ser reduzida a um objeto que se “usa” e depois se joga fora. Aqui esse raciocínio se aproxima à formulação de Kant de que se deve tratar a pessoa sempre como um fim em si mesma, e não simplesmente como um meio útil para um outro fim.

Aqui entramos na critica à atitude utilitarista, que a partir de um calculo de utilidade, consequências ou prazer consideram todas as escolhas morais como relativas ao resultado final de mais prazer e menos dor (em um sentido mais lato). O utilitarismo, em suas duas vertentes (individualista e social) não é capaz de fornecer uma abordagem acerca do amor: (i) na vertente individualista, a pessoa com a qual me relaciono subordina-se como meio para que os fins almejados — isto é, a satisfação afetiva, sexual, intelectual — sejam alcançados, sendo o valor do meio algo relativo unicamente a consecução ou não deste fim; (ii) já na vertente social — que consideraria o principio do máximo prazer e felicidade não unicamente para o individuo, mas para o maior numero de pessoas possível — , Wojtyla vê uma contradição interna da teoria, uma vez que a categoria de prazer/felicidade (enquanto entendida pelos utilitaristas) “não é senão um bem atual e refere-se somente a um determinado sujeito, [dessa forma] não é um bem transubjetivo. Enquanto este bem for considerado a unica base da norma moral, não se pode esperar ir além dos limites do que é bom só para mim.” (WOJTYLA, 2016, p. 32)

Dessa forma, o amor surge como resposta à atitude utilitarista, o “amar” surge como o oposto do “usar”.Assim, a formulação feita da norma personalista é a de que “a pessoa é um bem em relação ao qual só o amor constitui a atitude apta e válida” (WOJTYLA, 2016, p.35).

Mas se por um lado a norma personalista nos mostra não ser licito usar a pessoa como um meio para simplesmente buscar prazer, instrumentalizando-a, não se pode também imaginar que o amor seja algo que exclua absolutamente qualquer satisfação ou prazer. Wojtyla mostra que em sua época — e pode se dizer que também na nossa — duas correntes predominavam quanto a essa questão: (i)Corrente freudiana, que interpreta o amor a partir do conceito de libido e (ii) a interpretação puritana, que pregava uma moralidade do amor humano como que “desencarnado”.

A primeira concepção vê o impulso sexual como uma expressão da necessidade que o homem tem de satisfazer sua voluptuosidade, que o determina “interiormente”(sua personalidade, etc). Dessa maneira, toda a complexidade do homem é reduzida ao impulso sexual e a voluptuosidade resultante do prazer, que é a libido (WOJTYLA, 2016, p. 55), e assim, o homem é rebaixado ou equiparado a um animal irracional, que age para satisfazer seus impulsos de forma determinista, e sua racionalidade, interioridade, liberdade são praticamente desconsiderados como fator diferenciador.

A segunda concepção é a de alguns moralistas e teólogos que viam a relação sexual entre os esposos como algo “tolerado”, algo negativo, como que um meio tolerado para o único fim bom e verdadeiro do matrimonio, que seria a procriação. Ora, assim como a primeira posição, essa acaba por reduzir o homem a seu aspecto espiritual, como se este excluísse o seu aspecto corporal. Esquecem o postulado da antropologia de Tomás de Aquino de que o homem não é só o seu corpo e tampouco somente sua alma, mas sim o composto: há uma unidade substancial entre alma e corpo, não acidental (como os platonicos imaginavam). O corpo tem um papel importante para a moral e para a teologia: exatamente essa verdade que permitiu o o Cardeal Wojtyla — ja enquanto Papa João Paulo II — pudesse falar de uma Teologia do Corpo. O fato de o Verbo ter se feito Carne e da Revelação ensinar que haverá uma Ressurreição dos Corpos mostra que o corpo não é ruim, algo de que o homem deveria se libertar para viver só como espirito. Essa visão puritana possui três problemas principais: (a) visão que beira à heresia maniqueísta, (b) antropologia filosófica dualista — cujos problemas serão melhor esclarecidos em outra sessão — e (c) a visão utilitarista do matrimonio que essa concepção acaba por implicitamente pressupor, uma vez que utiliza-se o cônjuge apenas para cumprir o fim procriativo, tendo-o como um meio para atingir o fim. Contra essa visão, o autor esclarece numa clave filosófica e teológica que:
“Existe um gozar conforme com a natureza da tendencia sexual e , ao mesmo tempo, com a dignidade das pessoas; no vasto campo do amor entre o homem e a mulher, o gozo tem sua origem na ação comum, na compreensão reciproca, na harmoniosa realização dos fins escolhidos juntos. Este gozar, este frui, pode provir tanto do prazer multiforme criado pela diferença dos sexos como da voluptuosidade sexual que as relações conjugais oferecem. O Criador previu este prazer e associou-o ao amor do homem e da mulher, com a condição de que, a partir do impulso sexual, o seu amor se desenvolva normalmente [plenamente, integralmente], isto é, de maneira digna de pessoas.” (WOJTYLA, 2016, p. 54–55).
Não é contrário às exigências da pessoa o fruir (frui) do prazer, o é somente o se utilizar da pessoa como um meio para o prazer, tornando-a instrumento, que se usa (uti) como objeto para um fim. O prazer aqui não é rechaçado, mas ordenado, subordinado ao amor — verdadeira resposta ao valor da pessoa.


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sábado, 20 de outubro de 2018

O embrião humano na História - Da Grécia até o século XVII.

Esta síntese veio de algumas leituras na área de historia e de bioética. Para quem quiser aprofundar no tema, indico o artigo de Mattew Lu, "Embryology: Medieval and Modern.", "Abortion and Contraception: Corruption of Medicine" (do mesmo Mattew Lu), "Abortion and Catholic Church: a Summary History" do John T. Noonan e o primeiro capitulo do livro "Estatuto do Embrião Humano", que trata do desenvolvimento da embriologia até nossos tempos. Espero que possa ser útil e proveitoso aos estudiosos do tema.
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1. Grécia Clássica.

1.1. Hipócrates e seu juramento (V a.C) admitem implicitamente a humanidade do embrião em todas as etapas do desenvolvimento. Distinguia, segundo seus discipulos, entre ekbolia (aborto em até 7 dias) e phtoria (após 7 dias), sendo o primeiro menos grave que o segundo. Escribonio Largo, discipulo, dizia sobre o Juramento: " não é permitido comprometer o futuro incerto de um homem."
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1.2. Aristóteles e a doutrina dos 3 tipos de almas: há potencialmente 3 almas no corpo humano que se manifestam tão logo o substrato material esteja pronto para permiti-lhes a ação. As 3 almas são: (i) nutriz ou vegetativa, (ii) sensivel e (iii) intelectiva. Lançou as premissas para a teoria da animação tardia.

1.3. Estóicos: negavam toda autonomia do feto antes do nascimento (secs. III e II a.C). Submissão do embrião à corporeidade materna - portio matris uteri vel viscerum.

2. Cristianismo: Patristica e Escolástica

2.1. Tertuliano: "Não há diferença entre tirar uma vida ja nascida e destrui-la antes de nascer. Ela é um homem que quer tornar-se um homem - homo quia est futurus." (Apologeticum)

2.2. São Basilio: "Aquela que mata deliberadamente o feto é culpada de assassinato. Entre nós, com efeito, a distinção sutil entre um ser formado e não formado não é feita. (...) A destruição do feto é [...] criminosa, conforme a intenção, seja qual for, daqueles que tenham tamanha audácia." (Epistola)

2.3. Gregório de Nissa: "Dado que o homem, composto de corpo e alma, é um único ser, sustentamos que a ele deva atribuir-se um único principio comum de existência, para que não seja ao mesmo tempo antecedente e anterior a si mesmo." (De hominibus officio) -> Princípio da Unidade.

2.4. A reflexão medieval: a influencia das noções de "feto formado" e "não formado". A animação adiada prevaleceu no medievo escolastico, por causa da influencia de Aristóteles.

2.4.1 Os livros Penitenciais de Teodoro (séc. VII a VIII): penalidades para o crime de aborto variavam com base no periodo de gestação. Até 40 dias era considerado inanimado, e após esse periodo, animado.

2.4.2. Santo Anselmo de Aosta sustentava a animação adiada, pois para ele parecia absurdo que tantos embriões concebidos possam morrer com o pecado original e ser assim privados da graça de Cristo, Assim, admitia que a infusão da alma ocorre somente depois de o corpo ter adquirido figura humana.

2.4.3. Santo Alberto Magno, filósofo, biólogo, cientista: O embrião, sob impulso de uma única virtus formativa, passa sucessivamente por várias formas: é, vive, sente, compreende. Cada forma está contida na anterior, como ato de uma potencia anterior. Enfatiza a natureza que distingue o homem do animal. O homem não pode ter princípio analogo ao do animal, pois é humano desde o princípio, Intuição da " originalidade genética".
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2.4.4. Santo Tomás: segue a doutrina aristotélica das 3 potencias da alma. A virtus formativa esta contida na semente masculina que, juntando-se à materia feminina, torna-a propicia a receber a alma vegetativa. Depois é substituida pela alma vegetativa e sensitiva. Por fim, a virtus creativa de Deus infunde uma alma ao mesmo tempo com potencias vegetativas, sensitivas e racionais. Tirar a vida em qualquer desses momentos é pecado grave, mas só no último estágio pode ser considerado crime.

3. Revolução cientifica. Séc XVII: conduzido os debates pelas ciencias naturais. Teorias: epigênese, que viam no embrião o fruto de uma formação e desenvolvimento progressivo de suas várias estruturas; teorias pré-formacionistas, que sustentavam que o embrião ja esta contido, como que em "miniatura", no gameta feminino (versão ovista) ou masculino (versão animaculista)

3.1. Tomas Fyens (1620) declarou que a infusão da alma racional dava-se após 3 dias da concepção, pois 3 dias era o momento em que as "duas sementes" se unem e operam sua concretização.

3.2. Reinier de Graff (metade séc. XVII): o foliculo ovariano foi descrito. Considerou o ovário não só como componente muito mais ativo no processo da geração, mas também como sede da formação do ser humano (pré-formacionista).
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3.3. Girolamo Fiorentini (+1678): consideração probabilística da presença da alma racional desde a concepção. Sustentou a absoluta necessidade de batizar fetos abortados.

3.4. Paulo Zacchia (1583-1658), médico pontifício: "a alma racional esta presente no embrião no primeiro instante da concepção, sendo que todas as operações vitais originam-se dela, não da alma vegetativa e sensitiva." (Quaest. medico legalis)
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(Paul Zacchia)

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Fundamentos da Razão Prática (2005) - John Finnis

Este post é uma transcrição de um plano de exposição que fiz para apresentar o texto de John Finnis "Pratical Reason's Foundations (2005)" em um grupo de estudos sobre seus ensaios reunidos.
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1, Crítica a teorias do direito que pretendem excluir valoração em busca de uma pretensa neutralidade.
-O exemplo de Kelsen e Austin.
-Qualquer proposição que analisa a validade, retidão de uma lei sempre vai se referir ao conteudo (e não só à forma), e ao tipo de conduta.
-Avaliar um sistema ja é valorar de alguma forma. Essa valoração é necessária para uma melhor descrição e compreensão, pois considerando o telos das instituições e o modelo onde esses fins são melhor realizados (metodologia do caso central), temos um critério para avaliar se esta sendo bem sucedido ou não.

2. Rejeição de visões restritivas de razão prática: os conceitos básicos da teoria de Grisez, Finnis e Boyle.
- Razões basicas para querer (willing) e fazer: principios da razão prática como proposições gerais e abstratas e que são fonte de todo o pensar inteligente acerca do que fazer.
-Principio primaríssimo da Lei Natural: (i) analogia com o principio de não contradição, (ii) estrutura a razão prática, (iii) dirige para algum fim inteligivel, (iv) razoabilidade prática e capacidades teóricas.
- Requisitos de razoabilidade prática: proto-éticos, especificações do principio mestre da moralidade ("abertura ao florescimento humano integral em cada ato")

3. Unidade da razão e antropologia filosófica que ilumina a ética, e ética que a ilumina.
- Unidade do intelecto, distinção operativa: razão teórica e prática.
- Método: conhecer a natureza humana a partir de suas capacidades, suas capacidades a partir de suas atividades, e suas atividades a partir de seu termo, seus objetos (formas básicas de bem humano).
- Normatividade da razão, diretividade da razão.
- Vontade: resposta de alguem ao entendimento dessas oportunidades . Resposta inteligente (não escrava dos prazeres ou das paixões). Voluntas simplex (resposta a um interesse geral ou forma geral de bem); intent (mais foco, mais especifico) to the good and bonum rationis.
- Pensamento prático reflexivo e matafisica da pessoa humana.
-> O dar sentido as coisas mostra que o ser humano, além de sua constituição somática, possui um aspecto anímico que a transcende. Unidade substancial; fundamento metafísico da igualdade humana; capacidade fundacional da nossa realidade.
->Consideração acerca do valor humano nos ajuda a ver sentido na diretividade e na força normativa dos principios da razão prática sob a diretividade integral e regulatória da razoabilidade prática.
->Dependencia da razão prática e sua diretividade sob uma adequada compreensão dos valores. Mutuo reforço: teórico e prático.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

RAÍZES HISTÓRICAS E SOCIOLOGICAS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO – ORLANDO GOMES


Algumas notas que tomei a leitura do livro. São notas para que me recorde a ordem do livro e seu conteudo, e provavelmente irei revisa-las para escrever algumas considerações sobre este livro.
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Livro 1: Raízes Históricas e Sociologicas do Código Civil Brasileiro (1958)
               1.Formação do Direito Privado Brasileiro
-O uso longo das Ordenações Filipinas impediu que o Brasil tivesse renovação legislativa que grande parte do Ocidente viveu no séc. XIX. Efeitos incidem diretamente sob o Código de 1916.
-As Ordenações, até 1769 (Lei da Boa Razão), eram vistas como retrógradas, uma vez que levavam em conta opiniões defasadas de glosadores e pós-glosadores medievais, como Acúrsio, Bártolo e Baldo.
-Método das Ordenações: (1) Lei, Costume, Estilo dos Reinos à Se há pecado, Canones Sagrados, mas caso não haja pecado à (2) Leis Imperiais (pela boa razão em que são fundadas) àGlosa de Acúrsio, incorporadas na Lei (quando não reprovadas pela opinião dos doutores) à Opinião de Bártolo (por ser mais conforme a razão)
-Lei da Boa Razão (1769): conformidade ao Direito Natural, e não às glosas ou doutores.
-Constituição de 1824 prescreveu que se organizasse um novo Código Civil, o que não veio a ocorrer em razão do golpe republicano de 1889. Três tentativas: (i) Teixeira de Freitas,1859; (ii) Nabuco de Araujo,1872; (iii) Felicio dos Santos, 1881.
               2. Influencia do privatismo domestico.
-Incorporação de certos princípios morais familiares. Preponderancia da família e do circulo familiar sobre o social.
                              -Influencia patriarcal.
-Indisposição ao divorcio. Indissolubilidade do vinculo matrimonial. Para Beviláquia, o divórcio instaura a possibilidade de poligamia sucessiva.
               3. A estrutura social do pais no período da elaboração do Código.
                              -Estrutura agrária.
                              -Interesses dos fazendeiros e comerciantes prevalecia.
-A exploração do trabalhador era um meio de manter privilégios. Ideologia: Liberalismo econômico.
-Coronelismo.
-“O Código Civil é obra de homens da classe média (p.30).
-“Numerosas e concludentes são as provas de que o pensamento dominante na elaboração do Código Civil sofreu a influencia desse desajustamento interno entre os interesses da classe dominante.” (p.31)
              
4. O Código Civil e a Questão Social.
               -Indiferença às tentativas de introdução de leis sociais.
               -Individualismo jurídico.
               -A questão das leis de acidente de trabalho e o desenvolvimento industrial.
               -Preocupação em evitar qualquer obstáculo á livre iniciativa.
               -A “profissão anti-socialista” de Beviláquia quanto a questão social.
               -A lei deve se colocar na perspectiva do desenvolvimento social.
               -Interesses de classe embargavam as questões sociais.
Livro 2: Marx e Kelsen.
               1.Incompatibilidade da teoria pura do direito com o marxismo.
                              1.1. A Teoria Pura do Direito.
                                            -Pureza metodológica.
                                            -Conhecimento e descrição das normas.
-Orlando chama a doutrina de Kelsen de Teoria Normativa (não deveria ser descritiva?). Vide pag. 57.
-Norma e dever-ser. Diferença especifica da norma jurídica: ligação entre fato condicionante e consequência condicionada. Não causa e efeito, mas condição e consequência. Conceito básico de imputação.
-Sanção organizada.
-Direito se reduz à técnica social, não importando fim social.
-Elimina caráter ideológico do direito (acentuado por Marx).
                              1.2.O Materialismo Histórico.
                                            -A realidade social condiciona a consciência do homem.
-Direito é uma forma ideológica condicionada pela estrutura econômica da sociedade. A estrutura do Direito e as relações jurídicas não podem ser compreendidas por si.
-Concepção marxista do direito: Direito como ideologia. Emerge da realidade social. Abordagem sociológica- econômica.
                                                           OBS: Filosofia do Direito Sovietico. Dois Grupos:
(i)Anti-normativos: Direito como sistema de relações sociais; caráter burguês do normativismo.
(ii)Normativo: Direito constitui sistema de normas; Direito intuitivo de classe; é o resultado de relação econômicas que são expressas pela forma de normas.

Livro 3 (ou Ensaio Final): O Drama de uma ideia (Sobre o Direito Natural)
-Orlando Gomes vê a pretensão de universalidade do direito natural muito distante da realidade social. Acha que a lei natural é conjunto de regras estáticas a serem descobertas. Não consegue, por isso, compreender os procedimentos per determinationes ou per conclusiones.
-Essa ideia sobrevive, segundo o autor, pela ânsia de segurança que o ser humano possui.
               -Contrapõe o espirito cientifico ao direito natural.
-Direito natural como ideologia e arma ideológica: “o drama dessa ideia é queantes servia ao progresso, hoje, à reação.”

A Fama irrecuperável: As consequências da calúnia.

                                 Extemplo Libyae magnas it Fama per urbes, /                                   Fama, malum qua non aliud vel...