sábado, 9 de novembro de 2019

Santo Inácio de Loyola e os Exercícios Espirituais

Escrevi este texto após participar dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola promovido pelo Instituto do Verbo Encarnado (IVE). Quão importante é na vida de cada um de nós em que, no silencio, buscamos ordenar toda nossa vida segundo o Principio e Fundamento de nossas vidas, e consideramos que o Amor Divino exige de nós uma resposta de amor...
Deixo aqui o link do site do Instituto (http://verboencarnadobrasil.org/exercicios-espirituais/), para que os que se interessarem, possam saber melhor do que se trata e quem sabe um dia, fazer os Exercícios...Ad Maiorem Dei Gloriam!
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 "In my end is my beginning."
Esta pequena frase que encerra o poema East Coker, de T.S. Eliot nós diz muitas coisas: é capaz de dizer o que é um homem cristão diante da morte, e revela também o que é a vida deste. De fato, em nosso fim, está o inicio da Vida que não tem fim, de Beatitude Eterna; e também pode-se dizer que em nosso Fim Último, está o princípio que rege toda nossa vida, e nesses dois sentidos se pode considerar a herança espiritual de Santo Inácio de Loyola, que em sua vida passada de militar, recorda a todos os cristãos o verdadeiro itinerário que temos que seguir para combater no Estandarte de Cristo, tendo um Principio e Fundamento que é o Fim de nossa existência, e ao mesmo tempo a rege até este fim.

Os Exercícios de Santo Inácio, como ja foi dito, começam pelo fim, com o que ele chama de Principio e Fundamento, que há de reger toda a vida do cristão e que será a regra e medida de todas as decisões de sua vida:
"O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim salvar a sua alma. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a alcançar o fim para que é criado. (EE, 23)
O que Santo Inácio busca trazer neste percurso? Busca lembrar que somos criaturas, que não precisavamos sequer existir, e que, se existimos, é por um ato de Amor livre da parte de Deus, que precisa ser correspondido por nós, suas criaturas, pois o amor com amor se paga. E toda criatura, em seu ser mais íntimo, tem uma finalidade, um anseio, uma pulsação para Aquele por quem foi criada. E nossa realização plena só pode se dar Nele, como Santo Agostinho com o exemplo próprio grita no inicio de suas Confissões"Nos criastes para Vós, e nosso coração permanece inquieto enquanto não repousar em Vós"

Seremos frustrados existencialmente se, tendo sido criados para tão alto Fim, permaneçamos ligados aos meios criados para que alcancemos este fim...Que coisa grande! Estamos decerto - feliz ou tristemente - condenados a fazer uma escolha fundamental: sermos criaturas mais miseráveis que o mais baixo dos animais, ou ater-nos a este Fim à que fomos criados e assim deixar que Deus possa elevar a nossa própria natureza por meio de Sua Graça, a Sua própria Vida em nós. Mas agora pode-se perguntar se essa opção dupla é tão limitada assim, e se não há uma terceira opção...ora, vejamos bem: o cachorro, se em sua vida se alimenta, copula, passeia, dorme e faz todas as coisas caninas - demasiadamente caninas - ele realiza perfeitamente todas as suas disposições intimas, sua finalidade; já o homem, ou vive com a dignidade de filho de Deus, ou realiza sua sede do Infinito, ou repousa seu coração no Único em que encontra paz, ou vive a vida de cãozinho, sendo muito menos do que somos e deveriamos ser. Não ser o que deveriamos é a maior ruina do ser humano - ele pode ser, pela Graça de Deus, muito mais do que poderia ser naturalmente -, e que de alguma forma nos constrange, porque por um lado, é impossivel para o cão ser anti-canino, mas é de nós que se diz que por vezes agimos de forma "desumana".

Na vida do cristão, como saber que caminho tomar se não se sabe o destino? Ah! Como hoje abundam exemplos de tantos que fazem os mais diversos planos, vivem sem saber para que vivem, de tal forma que grande parte da crise do mundo é a que o psiquiatra Viktor Frankl chamou de "crise de sentido". Quantos namoros adolescentes desabariam caso se perguntasse: "por que namoram?", quantos projetos de vida, de emprego desmoronariam caso se perguntasse: "para que isto? Para dinheiro? E para que o dinheiro? Para conforto? E para que conforto?...." Ora, tantas vezes essas perguntas sequer se passam pela mente de tantos homens. E quando descobrem isso, o que acontece? Da falta de sentido brota no coração do homem um sentido de falta, de vazio, que precisa ser preenchido, que canta: "comamos e bebamos, porque amanhã morreremos!", e que sem sucesso tenta preencher o vazio infinito com os grãozinhos de areia que são as coisas que vem e vão. Pode-se tirar a razão do Eclesiastes - que longe de pessimista, pode ser lido em seu inicio como uma consideração da vida sem Deus - quando diz que este homem vive como um animal?
"Pois a sorte dos humanos e a dos jumentos é identica: como o ser humano morre, assim eles morrem. E todos tem o mesmo sopro de vida: nada tem o ser humano mais do que os jumentos, pois tudo é vaidade." (Ecleasiates 3, 19)

Importa que tenhamos gravado com letras de fogo no coração essa verdade fundamental. Sem esse Princípio não chegamos a nosso Fim, e nosso fim pode não ser então o princípio da beatitude, mas o inicio de choro e ranger de dentes...
Donde se segue que há de usar delas tanto quanto o ajudem a atingir o seu fim, e há de privar-se delas tanto quanto dele o afastem." (EE, 23)
O que são as criaturas de que Santo Inácio fala? São todas as coisas que não são Deus, e que portanto, devemos nos ligar a elas tanto quanto, nos levem a cumprir nosso Fim. Que tristeza seria por distrações no caminho, se perder na estrada, e não alcançar o destino da viagem! Aqui chegamos a um dos pontos essenciais da atitude a ser fomentada nos Exercícios: a indiferença.
"Pelo que é necessário tornar-nos indiferentes a respeito de todas as coisas criadas em tudo aquilo que depende da escolha do nosso livre-arbítrio, e não lhe é proibido. De tal maneira que. de nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida breve, e assim por diante em tudo o mais, desejando e escolhendo apenas o que mais nos conduz ao fim para que somos criados" (EE, 23) 
Indiferença? Como ser indiferente? Não seria correto viver e amar nossos deveres neste mundo?
Ah! Como é dificil entender o que seja essa indiferença...e aqui que os Exercícios guardam um paradoxo e uma coincidência dos opostos, pois se é verdade que amar é querer estar atado àquele a quem ama, Santo Inácio nos ensina que só podemos amar verdadeiramente estando atados em Deus, Fonte do amor. Mas para estar atado à Deus, é preciso se desatar completamente das criaturas - até daquelas que se quer estar atado por toda a vida - e se atar apenas a Ele. E se atando a Ele, deixa-Lo decidir a quem há de atar nossas vidas, nossos amores. E só assim podemos nos ligar amorosamente a quem amamos, com verdadeiro amor, cuja fonte é Deus...Para amar - que é um atar-se a quem se ama - , é preciso por vezes desatar-se, e neste caso, isto é ato de amor, porque é prelúdio de um atar-se mais profundo que bebe de uma Fonte inesgotável.

Ser indiferente, portanto, tem um sentido profundamente positivo: nossa vontade se mantém sempre livre, enquanto Deus não revela o que Ele quer com cada coisa criada, tornando-nos dispostos a aceitar de bom grado tudo o que vem de Sua Vontade, e escolhendo não baseados em apegos, mas sim no que é melhor, no mais, para alcançar nosso fim. Somos livres porque indiferentes. O homem apegado às criaturas de forma desordenada é tão mais escravo e tem tantos senhores quantas coisas a que se apega.

Esse é um pouco do espírito a ser cultivado nos Exercícios. O percurso ainda perpassa por meditações que, movendo nossa inteligencia, imaginação e vontade, hão de fazer com que aprendamos a eleger a Cristo em todos os momentos de nossa vida e afastar-nos de tudo o que nos afasta Dele.

Quem não fica assustado consigo mesmo e com sua vida quando medita os três pecados - o dos anjos, o de Adão e Eva e o nosso? Como não olhar pra Cruz e, vendo o que Cristo fez por nós, perguntar a nós mesmo o que fizemos por Cristo, o que estamos fazendo por Ele e o que faremos...São perguntas fundamentais! Só percebemos a gravidade do pecado quando vemos que por causa dele Nosso Senhor se deixou crucificar...

Santo Inácio, mesmo após sua conversão manteve a visão eminentemente cristã de que a nossa vida neste mundo é um combate, em que devemos saber em que lado militar, sob que general lutar. Não há via média: ou estamos servindo à Cristo Rei, ou ao principe deste mundo, o demônio. É facil eleger: todos queremos estar sob este general que é Cristo, mas nossa vida tem sido um ato de serviço a Ele, ou não? Estamos sofrendo as dores e alegrias do general, para que participemos também de Sua Vitória? 

É verdade que todas essas meditações são sobretudo um ato de contemplação dos Mistérios da Fé, mas também são dialogo com Deus, onde aplicamos nosso coração a prescrutar e adentrar no Coração de Deus em cada momento e considerar com quão grande amor fomos amados. Assim, em uma das meditações feitas nos Exercícios, sobre a Encarnação do Verbo, podemos contemplar a grandeza desse mistério por meio de um poema de São João da Cruz, imaginando o dialogo amoroso entre o Pai e o Verbo (Poemas Trinitários, Romance 7):
Já que o tempo era chegado
Em que fazer-se devia
O resgate da esposa
Que em duro jugo servia,
Debaixo daquela lei
Que Moisés dado lhe havia,
O Pai com amor terno
Desta maneira dizia:
– Já vês, Filho, que tua esposa
À tua imagem feito havia,
E no que a ti parece
Contigo coincidia;
Mas é diferente na carne,
Que em teu simples ser não havia.
Pois nos amores perfeitos
Esta lei se requeria,
Que se torne semelhante
O amante a quem queria,
Porque a maior semelhança
Mais deleite caberia;
O qual, por certo, em tua esposa
Grandemente cresceria
Se te visse semelhante
Na carne que possuía.
– Minha vontade é a tua
– O Filho lhe respondia –
E a glória que eu tenho
É tua vontade ser a minha;
E a mim me agrada, Pai,
O que tua Alteza dizia,
Porque por esta maneira
Tua bondade se veria;
Ver-se-á teu gran poder;
Justiça e sabedoria;
Irei a dizê-lo ao mundo
E notícia lhe daria
De tua beleza e doçura,
De tua soberania.
Irei buscar minha esposa
E sobre mim tomaria
Suas fadigas e dores
Em que tanto padecia;
E para que tenha vida,
Eu por ela morreria,
E tirando-a das profundas,
A ti a devolveria.
Enfim, que possamos aprender a fazer por Deus sempre lo más , que mais o glorifique e o torne amado por todos os homens. Aprender a fazer tudo ad maiorem Dei Gloriam!

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