Escrevi este texto após participar dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola promovido pelo Instituto do Verbo Encarnado (IVE). Quão importante é na vida de cada um de nós em que, no silencio, buscamos ordenar toda nossa vida segundo o Principio e Fundamento de nossas vidas, e consideramos que o Amor Divino exige de nós uma resposta de amor...
Deixo aqui o link do site do Instituto (http://verboencarnadobrasil.org/exercicios-espirituais/), para que os que se interessarem, possam saber melhor do que se trata e quem sabe um dia, fazer os Exercícios...Ad Maiorem Dei Gloriam!
"In my end is my beginning."Esta pequena frase que encerra o poema East Coker, de T.S. Eliot nós diz muitas coisas: é capaz de dizer o que é um homem cristão diante da morte, e revela também o que é a vida deste. De fato, em nosso fim, está o inicio da Vida que não tem fim, de Beatitude Eterna; e também pode-se dizer que em nosso Fim Último, está o princípio que rege toda nossa vida, e nesses dois sentidos se pode considerar a herança espiritual de Santo Inácio de Loyola, que em sua vida passada de militar, recorda a todos os cristãos o verdadeiro itinerário que temos que seguir para combater no Estandarte de Cristo, tendo um Principio e Fundamento que é o Fim de nossa existência, e ao mesmo tempo a rege até este fim.
Os Exercícios de Santo Inácio, como ja foi dito, começam pelo fim, com o que ele chama de Principio e Fundamento, que há de reger toda a vida do cristão e que será a regra e medida de todas as decisões de sua vida:
"O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, e assim salvar a sua alma. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a alcançar o fim para que é criado. (EE, 23)O que Santo Inácio busca trazer neste percurso? Busca lembrar que somos criaturas, que não precisavamos sequer existir, e que, se existimos, é por um ato de Amor livre da parte de Deus, que precisa ser correspondido por nós, suas criaturas, pois o amor com amor se paga. E toda criatura, em seu ser mais íntimo, tem uma finalidade, um anseio, uma pulsação para Aquele por quem foi criada. E nossa realização plena só pode se dar Nele, como Santo Agostinho com o exemplo próprio grita no inicio de suas Confissões: "Nos criastes para Vós, e nosso coração permanece inquieto enquanto não repousar em Vós"
Seremos frustrados existencialmente se, tendo sido criados para tão alto Fim, permaneçamos ligados aos meios criados para que alcancemos este fim...Que coisa grande! Estamos decerto - feliz ou tristemente - condenados a fazer uma escolha fundamental: sermos criaturas mais miseráveis que o mais baixo dos animais, ou ater-nos a este Fim à que fomos criados e assim deixar que Deus possa elevar a nossa própria natureza por meio de Sua Graça, a Sua própria Vida em nós. Mas agora pode-se perguntar se essa opção dupla é tão limitada assim, e se não há uma terceira opção...ora, vejamos bem: o cachorro, se em sua vida se alimenta, copula, passeia, dorme e faz todas as coisas caninas - demasiadamente caninas - ele realiza perfeitamente todas as suas disposições intimas, sua finalidade; já o homem, ou vive com a dignidade de filho de Deus, ou realiza sua sede do Infinito, ou repousa seu coração no Único em que encontra paz, ou vive a vida de cãozinho, sendo muito menos do que somos e deveriamos ser. Não ser o que deveriamos é a maior ruina do ser humano - ele pode ser, pela Graça de Deus, muito mais do que poderia ser naturalmente -, e que de alguma forma nos constrange, porque por um lado, é impossivel para o cão ser anti-canino, mas é de nós que se diz que por vezes agimos de forma "desumana".
Na vida do cristão, como saber que caminho tomar se não se sabe o destino? Ah! Como hoje abundam exemplos de tantos que fazem os mais diversos planos, vivem sem saber para que vivem, de tal forma que grande parte da crise do mundo é a que o psiquiatra Viktor Frankl chamou de "crise de sentido". Quantos namoros adolescentes desabariam caso se perguntasse: "por que namoram?", quantos projetos de vida, de emprego desmoronariam caso se perguntasse: "para que isto? Para dinheiro? E para que o dinheiro? Para conforto? E para que conforto?...." Ora, tantas vezes essas perguntas sequer se passam pela mente de tantos homens. E quando descobrem isso, o que acontece? Da falta de sentido brota no coração do homem um sentido de falta, de vazio, que precisa ser preenchido, que canta: "comamos e bebamos, porque amanhã morreremos!", e que sem sucesso tenta preencher o vazio infinito com os grãozinhos de areia que são as coisas que vem e vão. Pode-se tirar a razão do Eclesiastes - que longe de pessimista, pode ser lido em seu inicio como uma consideração da vida sem Deus - quando diz que este homem vive como um animal?
"Pois a sorte dos humanos e a dos jumentos é identica: como o ser humano morre, assim eles morrem. E todos tem o mesmo sopro de vida: nada tem o ser humano mais do que os jumentos, pois tudo é vaidade." (Ecleasiates 3, 19)
Importa que tenhamos gravado com letras de fogo no coração essa verdade fundamental. Sem esse Princípio não chegamos a nosso Fim, e nosso fim pode não ser então o princípio da beatitude, mas o inicio de choro e ranger de dentes...
Donde se segue que há de usar delas tanto quanto o ajudem a atingir o seu fim, e há de privar-se delas tanto quanto dele o afastem." (EE, 23)O que são as criaturas de que Santo Inácio fala? São todas as coisas que não são Deus, e que portanto, devemos nos ligar a elas tanto quanto, nos levem a cumprir nosso Fim. Que tristeza seria por distrações no caminho, se perder na estrada, e não alcançar o destino da viagem! Aqui chegamos a um dos pontos essenciais da atitude a ser fomentada nos Exercícios: a indiferença.
"Pelo que é necessário tornar-nos indiferentes a respeito de todas as coisas criadas em tudo aquilo que depende da escolha do nosso livre-arbítrio, e não lhe é proibido. De tal maneira que. de nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida breve, e assim por diante em tudo o mais, desejando e escolhendo apenas o que mais nos conduz ao fim para que somos criados" (EE, 23)Indiferença? Como ser indiferente? Não seria correto viver e amar nossos deveres neste mundo?
Ah! Como é dificil entender o que seja essa indiferença...e aqui que os Exercícios guardam um paradoxo e uma coincidência dos opostos, pois se é verdade que amar é querer estar atado àquele a quem ama, Santo Inácio nos ensina que só podemos amar verdadeiramente estando atados em Deus, Fonte do amor. Mas para estar atado à Deus, é preciso se desatar completamente das criaturas - até daquelas que se quer estar atado por toda a vida - e se atar apenas a Ele. E se atando a Ele, deixa-Lo decidir a quem há de atar nossas vidas, nossos amores. E só assim podemos nos ligar amorosamente a quem amamos, com verdadeiro amor, cuja fonte é Deus...Para amar - que é um atar-se a quem se ama - , é preciso por vezes desatar-se, e neste caso, isto é ato de amor, porque é prelúdio de um atar-se mais profundo que bebe de uma Fonte inesgotável.
Ser indiferente, portanto, tem um sentido profundamente positivo: nossa vontade se mantém sempre livre, enquanto Deus não revela o que Ele quer com cada coisa criada, tornando-nos dispostos a aceitar de bom grado tudo o que vem de Sua Vontade, e escolhendo não baseados em apegos, mas sim no que é melhor, no mais, para alcançar nosso fim. Somos livres porque indiferentes. O homem apegado às criaturas de forma desordenada é tão mais escravo e tem tantos senhores quantas coisas a que se apega.
Esse é um pouco do espírito a ser cultivado nos Exercícios. O percurso ainda perpassa por meditações que, movendo nossa inteligencia, imaginação e vontade, hão de fazer com que aprendamos a eleger a Cristo em todos os momentos de nossa vida e afastar-nos de tudo o que nos afasta Dele.
Quem não fica assustado consigo mesmo e com sua vida quando medita os três pecados - o dos anjos, o de Adão e Eva e o nosso? Como não olhar pra Cruz e, vendo o que Cristo fez por nós, perguntar a nós mesmo o que fizemos por Cristo, o que estamos fazendo por Ele e o que faremos...São perguntas fundamentais! Só percebemos a gravidade do pecado quando vemos que por causa dele Nosso Senhor se deixou crucificar...
Santo Inácio, mesmo após sua conversão manteve a visão eminentemente cristã de que a nossa vida neste mundo é um combate, em que devemos saber em que lado militar, sob que general lutar. Não há via média: ou estamos servindo à Cristo Rei, ou ao principe deste mundo, o demônio. É facil eleger: todos queremos estar sob este general que é Cristo, mas nossa vida tem sido um ato de serviço a Ele, ou não? Estamos sofrendo as dores e alegrias do general, para que participemos também de Sua Vitória?
É verdade que todas essas meditações são sobretudo um ato de contemplação dos Mistérios da Fé, mas também são dialogo com Deus, onde aplicamos nosso coração a prescrutar e adentrar no Coração de Deus em cada momento e considerar com quão grande amor fomos amados. Assim, em uma das meditações feitas nos Exercícios, sobre a Encarnação do Verbo, podemos contemplar a grandeza desse mistério por meio de um poema de São João da Cruz, imaginando o dialogo amoroso entre o Pai e o Verbo (Poemas Trinitários, Romance 7):
Enfim, que possamos aprender a fazer por Deus sempre lo más , que mais o glorifique e o torne amado por todos os homens. Aprender a fazer tudo ad maiorem Dei Gloriam!Já que o tempo era chegado
Em que fazer-se devia
O resgate da esposa
Que em duro jugo servia,
Debaixo daquela lei
Que Moisés dado lhe havia,
O Pai com amor terno
Desta maneira dizia:
– Já vês, Filho, que tua esposa
À tua imagem feito havia,
E no que a ti parece
Contigo coincidia;
Mas é diferente na carne,
Que em teu simples ser não havia.
Pois nos amores perfeitos
Esta lei se requeria,
Que se torne semelhante
O amante a quem queria,
Porque a maior semelhança
Mais deleite caberia;
O qual, por certo, em tua esposa
Grandemente cresceria
Se te visse semelhante
Na carne que possuía.
– Minha vontade é a tua
– O Filho lhe respondia –
E a glória que eu tenho
É tua vontade ser a minha;
E a mim me agrada, Pai,
O que tua Alteza dizia,
Porque por esta maneira
Tua bondade se veria;
Ver-se-á teu gran poder;
Justiça e sabedoria;
Irei a dizê-lo ao mundo
E notícia lhe daria
De tua beleza e doçura,
De tua soberania.
Irei buscar minha esposa
E sobre mim tomaria
Suas fadigas e dores
Em que tanto padecia;
E para que tenha vida,
Eu por ela morreria,
E tirando-a das profundas,
A ti a devolveria.
sábado, 9 de novembro de 2019
Santo Inácio de Loyola e os Exercícios Espirituais
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
Tomismo e a Nouvelle Theologie
Anthony D. Lee, em seu artigo Thomism and The Council (1963), diz que ja na época de Leão XIII havia um anti-tomismo crescente, em razão de seu caráter árido e manualistico, que não era capaz de enfrentar os problemas contemporâneos. E esse anti-tomismo, na metade do século XX - período do Concilio Vaticano II -, se manifestou em duas frentes: (i) filosófica e (ii) teológica. Quanto à primeira, se manifestou principalmente pelo advento do existencialismo, que apesar de ter iniciado com Soren Kiekgard, como um movimento cristão, com Sartre se torna um movimento ateísta (LEE, 1963, p. 460), que pode ser reduzido à tese da primazia da subjetividade, manifestada na ordem teórica pelo subjetivismo relativista, e na ordem prática pela afirmação radical da liberdade dos sujeitos.
Ora, e se a filosofia é ancilla teologiae, i.e. serva da teologia, os erros filosóficos hão de influir no modo de fazer teologia. O fato é que, historicamente, as filosofias existencialistas tiveram uma grande influencia entre os teólogos; e uso das correntes filosóficas anti-tomistas começaram a ser vistas como compatíveis com a teologia, e buscou-se fazer um trabalho de conciliação para enfrentar os problemas contemporâneos, que gerou o que se chamou de Nova Teologia (Nouvelle Theologie). Lee, sobre essa Nova Teologia, diz que:
A filosofia de S. Tomás, entre todas, é exemplar para a filosofia católica justamente por seu caráter de serva da teologia, o que exige dela várias qualidades, citadas por Lee (1963, p. 456), que são : (i) universalidade e objetividade, (ii) metodologia capaz de investigação das causas nas diversas ordens da realidade, até alcançar a Causa das causas, (iii) capacidade de formar um corpo de conhecimentos acerca do universo e suas causas, (iv) incorporar o processo reflexivo crítico para identificar a conformidade de seus postulados com a realidade, ou seja, um critério de verificação e (v) abertura a novos dados e descobertas da experiencia humana.
Assim, se por um lado os tomistas devem "tomar de tudo e ficar com o que é bom" nas filosofias contemporâneas, deve ser cauteloso por manter seus fundamentos realistas objetivos que lhe protege contra um afã de novidade que pode ser, na maioria das vezes, antifilosófico. Para melhor compreender o papel do tomista no mundo contemporâneo, vale ler o artigo de Santiago Ramirez, O.P, "O que é ser um Tomista?" (Traduzido neste blog)
Ora, e se a filosofia é ancilla teologiae, i.e. serva da teologia, os erros filosóficos hão de influir no modo de fazer teologia. O fato é que, historicamente, as filosofias existencialistas tiveram uma grande influencia entre os teólogos; e uso das correntes filosóficas anti-tomistas começaram a ser vistas como compatíveis com a teologia, e buscou-se fazer um trabalho de conciliação para enfrentar os problemas contemporâneos, que gerou o que se chamou de Nova Teologia (Nouvelle Theologie). Lee, sobre essa Nova Teologia, diz que:
The motives of the new theologians were quite Catholic, but their methods were existentialist. The motives in fact were apologetic; the leaders in the moviment were seriously and sincerely engaged in trying to save the Catholic faith amidst the politicalm social, intellectual and religious confusion of pre-War and post-War Europe. (LEE, 1963, p. 463)Essa inovação metodológica e esse ecletismo levam a vários problemas, pois abre espaço à ambiguidades teológicas, culto à novidade, e enfraquecimento da autoridade da Igreja nessas matérias. e por isso, apesar de suas boas intenções, esse ecletismo não raro levava muitos teólogos à posições ambiguas - quando não heréticas. E para tentar resolver essa questão, em 1950 o Papa Pio XII publica a Encíclica Humani Generis, que busca esclarecer os católicos contra certa confusão trazida por alguns desses "novos teólogos".
A filosofia de S. Tomás, entre todas, é exemplar para a filosofia católica justamente por seu caráter de serva da teologia, o que exige dela várias qualidades, citadas por Lee (1963, p. 456), que são : (i) universalidade e objetividade, (ii) metodologia capaz de investigação das causas nas diversas ordens da realidade, até alcançar a Causa das causas, (iii) capacidade de formar um corpo de conhecimentos acerca do universo e suas causas, (iv) incorporar o processo reflexivo crítico para identificar a conformidade de seus postulados com a realidade, ou seja, um critério de verificação e (v) abertura a novos dados e descobertas da experiencia humana.
Assim, se por um lado os tomistas devem "tomar de tudo e ficar com o que é bom" nas filosofias contemporâneas, deve ser cauteloso por manter seus fundamentos realistas objetivos que lhe protege contra um afã de novidade que pode ser, na maioria das vezes, antifilosófico. Para melhor compreender o papel do tomista no mundo contemporâneo, vale ler o artigo de Santiago Ramirez, O.P, "O que é ser um Tomista?" (Traduzido neste blog)
domingo, 7 de julho de 2019
As Emoções e a Vida Moral, segundo Rudolf Allers.
No meio termo está a virtude. E quando se investiga o tema das emoções, duas perspectivas se mostram dominantes: a perspectiva emotivista (ou sentimentalista) e a perspectiva contrária a toda e qualquer espécie de emoções, como se as emoções fossem instrumentos de perturbação da razão, de tal maneira que pode-se nomear esta segunda perspectiva de neo estóica/apática, que rejeita toda e qualquer manifestação emotiva como anti-racional.
Qual seria a atitude adequada perante as emoções? A resposta que será dada aqui foge aos dois extremos, mas não seria talvez um meio termo entre apatia e emotivismo. Principalmente porque aqui não se busca analisar as emoções e a razão de forma estanque, como que em compartimentos separados, mas sim as emoções em seu aspecto cognitivo, ou seja, as emoções enquanto são precedidas por aspectos intelectuais, o que nos faz partir do pressuposto de que as emoções não são absolutamente irracionais, tampouco são apenas um aspecto da potencia intelectiva.
Na I Pars de sua Summa Theologiae, S. Tomás de Aquino dedica um Tratado sobre o Homem, no qual analisa a estrutura entitativa do ser humano, suas potencias e operações.
Parte da distinção entre seres vivos e não vivos, sendo os primeiros auto-moventes (por um principio intrinseco) e os segundos são levados ao movimento apenas por meio de outros (principio de movimento extrinseco). Este principio de movimento instrinseco é chamado nos seres vivos de alma (psique, do grego). No ser humano, este principio de movimento intrinseco, de organização da matéria e de operação, é a alma intelectiva, e Santo Tomás distingue nela três potências gerais: (i) vegetativa, (ii) sensitiva e (iii) intelectiva, sendo que as duas primeiras potencias estão virtualmente contidas na alma racional, não havendo no ser humano uma pluralidade de almas, mas apenas uma com os poderes das outras contidos nesta (virtualmente, virtus, do latim, poderes, forças).
Quanto ao tema dos aspectos cognitivos das emoções, é grande a contribuição que o psicologo Rudolf Allers trouxe ao tema em seu artigo "The Cognitive Aspect of Emotions" (The Thomist, 1942). Inspirado no esquema antropológico sistematizado por S. Tomás, busca investigar a natureza das emoções e a importancia dos sentidos humanos e da inteligencia nelas, avançando nas potencias particulares, que para Aquino se distinguem em (i) prévias ao intelecto, (ii) intelectivas e (iii) apetitivas, sendo que para a nossa análise - que segue de perto à Allers - importa que foquemos nas potencias prévias ao intelecto.
Essas potencias prévias ao intelecto são aquelas vegetativas ou sensitivas, sendo que as primeiras são as que tem por função a geração, crescimento e nutrição, e as segundas podendo ser divididas em (i) potencias internas e (ii) potencias externas. As potencias externas são já bem conhecidas: são os cinco sentidos externos, como o tato, visão, paladar, etc; já nas internas, temos o senso-comum, que unifica os dados experienciados pelos cinco sentidos externos, a memória, a imaginação e, por fim - e o que nos interessa aqui - a potencia cogitativa. Deixemos posto apenas, por hora, que a potencia cogitativa é aquela que descobre intenções nos dados externos que apreende por meio de comparação (q. 78, a.4), ou podemos também formular conforme Allers o faz, dizendo que "Aquinas speaks of the cogitative power (vis cogitativa) as an instinct, namely, as that by which the appetite is urged to activity. (...) it is more correct to say that the data apprehended by this internal sense have this urging power" (ALLERS, 1942, p. 625). Os dados excitam a potencia cogitativa, cujo objeto é a bondade ou valor que manifestados no particular apreendido, e assim, a cogitativa parece se distinguir das outras potencias internas, que não tem necessariamente sua operação ligada à razão (ALLERS, 1942, p. 625)
A tese formulada no artigo de Allers é de que há um paralelismo entre as capacidades cognitivas e as capacidades emocionais, entre a consciência dos valores e os estados emocionais, e que a manifestação de uma emoção não determina necessariamente a imaturidade intelectual de uma pessoa. Seguimos o autor ao definir emoções como " a mental state of peculiar character by which an individual responds to the awareness of a pleasant or unpleasant situation, or any other aspect of a situation entailing goodness or badness. This response is of the whole individual, mental and bodily, not of the mind or of consciousness alone" (ALLERS, 1942, p. 590), sendo assim a correlação mais clara, mostrando assim que o emocionar-se pressupõe que se apreenda o aspecto de bondade e valor do objeto que causou a emoção, e para apreender este aspecto, temos esta potencia cogitativa, que no ser humano faz essa ligação entre o sensível e o intelectual.
Na abordagem Tomista, podemos relacionar o conceito de emoções paralelo ao conceito de paixões da alma. Se é verdade que as paixões convém mais à parte sensitiva - enquanto recebe os dados da realidade exterior e assim sofre uma modificação corporal -, podemos considera-las apenas dessa maneira, distinguindo analiticamente e focando em seu aspecto sensitivo apenas, ou podemos considera-la enquanto pertence também à parte apetitiva do ser humano, que, segundo S. Tomás implica atração para aquilo que é próprio do agente (Q. 22, a.2, respondeo). Esse apetite sensitivo pode ser distinguido entre irascível e concupiscível, que se distinguem por sua referencia à objetos diferentes (e segundo S. Tomás, o objeto diversifica a espécie, e são portanto de espécies diferentes), sendo o da primeira "o bem ou o mal que tiverem razão de árduos ou dificeis" e o do segundo "o bem e o mal sensivel, deleitável e o doloroso"(Q.23, a.1, resp).
A importancia do estudo das emoções - ou paixões, considerando seu aspecto cognitivo - se apresenta na tese do ja mencionado psicólogo Rudolf Allers, de que "o homem, na emoção, toma consciência de seu 'status ôntico'" (ALLERS, 1942, p. 634), ou seja, sua reações emocionais, por guardarem um paralelo com sua condição cognitiva, revelam sua condição entitativa e moral. Para entender melhor de que forma isto acontece, partiremos da sistematização de S. Tomás de Aquino sobre as paixões
Ao distinguir as paixões do concupiscivel e as do iráscivel, forma um esquema contendo 6 paixões do primeiro e 5 do segundo, mas para a análise presente, importa mais que sejam analisadas as paixões concupisciveis, que são: (i) o amor e (ii) o ódio, (iii) o desejo/concupiscencia e a (iv) fuga/aversão, o (v) prazer/alegria e a (vi) dor/tristreza. Tomaremos como caso exemplar o amor.
O amor, sendo a primeira paixão na ordem das concupisciveis, é "o principio de movimento que tende para o fim amado"(q.26, a.1, resp), e pode ser considerado em vários sentidos, seja como apetite natural das coisas (forma imprópria), apetite sensitivo e apetite racional no ser humano, e neste ensaio, importa que tratemos da paixão do amor apenas enquanto ela uma mudança corporal causada por um objeto exterior (e por isso uma paixão) e tende para um o fim amado que é antes apreendido pela potencia cogitativa e percebido como um bem. Santo Tomás diz que três são as causas do amor(q. 27): (i) o bem e o (ii) conhecimento e a (iii) semelhança, e que se o amor apetece ao bem, só pode apetecer a ele enquanto este é conhecido, e só pode ser conhecido se de alguma forma for apetecível, e portanto, há uma relação mútua entre as duas causas, entre este aspecto afetivo (afecção, afectio) e cognoscitivo, de tal maneira que o o movimento amoroso à coisa ou à pessoa amada revela um bem percebido e conhecido, que pode ser tanto de uma visão corporal (que é principio do amor sensitivo) quanto da contemplação espiritual (que é principio do amor espiritual).
E que o que amamos pode revelar muito o que somos, sendo a semelhança também causa do amor - terceira causa -, podendo revelar tanto o que nos falta e que temos anseio por possuir (amor de concupiscência) ou aquilo que o amado possui assim como nós também possuímos, e cuja semelhança me faz ama-lo e querer seu bem por causa de si mesmo, e não enquanto posso possui-lo ou enquanto me traz beneficio (amor de amizade ou de benevolência). Dessa forma, o que amamos revela muito do que somos, das nossas inclinações; se amamos coisas baixas, isso pode dizer muitas coisas acerca de nosso status moral. De fato, Camões foi feliz quando em um de seus sonetos descreve que "Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar." O que esta sempre em nossa mente? O que desperta nosso amor ou ódio? Onde está nosso coração e nosso tesouro?
Quanto mais temos conhecimento da realidade amada, mais profundamente consideramos e conhecemos seu aspecto de bem, e pelo amor deste bem, queremos adentrar mais profundamente no conhecimento, em um "circulo virtuoso" faz com que tenhamos uma reação afetiva mais intensa e adequada em relação à retidão e profundidade da apreensão intelectual. Dessa forma, a vida afetiva e o ato moral do ser humano seria - conforme a formulação de Dietrich von Hildebrand - uma resposta adequada a um ou mais valores que nos "urgem"; na educação infantil, por exemplo, muitas vezes se busca impedir que a criança se expresse emocionalmente, uma vez que ela sempre o faz de forma escandalosa e desordenada, mas ora, a solução para isto não é eliminar as emoções, mas sim fazer com que ela, conhecendo as coisas que merecem atenção e reações mais ou menos intensas, possa reagir de forma adequada a elas. É preciso que seja ensinado à criança à hierarquia dos valores para que ela responda a cada um deles de forma adequada e justificada, sabendo que se são várias coisas que merecem entusiasmo, elas não são idênticas e algumas merecem um entusiasmo mais intenso que outras (Allers, 1944, nota 44).
Sintetizando, as emoções, (i) revelam o status ôntico do ser humano e (ii) revelam que há um paralelo entre capacidade cognitiva do ser humano e capacidades afetivas, sendo que quanto mais desenvolvido intelectualmente, mais adequadamente pode fruir das emoções e reagir adequadamente à realidade, se afastando de uma atitude apática e de uma atitude sentimentalista, pois suas emoções estão subordinadas à razão. Assim,
Qual seria a atitude adequada perante as emoções? A resposta que será dada aqui foge aos dois extremos, mas não seria talvez um meio termo entre apatia e emotivismo. Principalmente porque aqui não se busca analisar as emoções e a razão de forma estanque, como que em compartimentos separados, mas sim as emoções em seu aspecto cognitivo, ou seja, as emoções enquanto são precedidas por aspectos intelectuais, o que nos faz partir do pressuposto de que as emoções não são absolutamente irracionais, tampouco são apenas um aspecto da potencia intelectiva.
Na I Pars de sua Summa Theologiae, S. Tomás de Aquino dedica um Tratado sobre o Homem, no qual analisa a estrutura entitativa do ser humano, suas potencias e operações.
Parte da distinção entre seres vivos e não vivos, sendo os primeiros auto-moventes (por um principio intrinseco) e os segundos são levados ao movimento apenas por meio de outros (principio de movimento extrinseco). Este principio de movimento instrinseco é chamado nos seres vivos de alma (psique, do grego). No ser humano, este principio de movimento intrinseco, de organização da matéria e de operação, é a alma intelectiva, e Santo Tomás distingue nela três potências gerais: (i) vegetativa, (ii) sensitiva e (iii) intelectiva, sendo que as duas primeiras potencias estão virtualmente contidas na alma racional, não havendo no ser humano uma pluralidade de almas, mas apenas uma com os poderes das outras contidos nesta (virtualmente, virtus, do latim, poderes, forças).
Quanto ao tema dos aspectos cognitivos das emoções, é grande a contribuição que o psicologo Rudolf Allers trouxe ao tema em seu artigo "The Cognitive Aspect of Emotions" (The Thomist, 1942). Inspirado no esquema antropológico sistematizado por S. Tomás, busca investigar a natureza das emoções e a importancia dos sentidos humanos e da inteligencia nelas, avançando nas potencias particulares, que para Aquino se distinguem em (i) prévias ao intelecto, (ii) intelectivas e (iii) apetitivas, sendo que para a nossa análise - que segue de perto à Allers - importa que foquemos nas potencias prévias ao intelecto.
Rudolf Allers (1883-1963) |
Essas potencias prévias ao intelecto são aquelas vegetativas ou sensitivas, sendo que as primeiras são as que tem por função a geração, crescimento e nutrição, e as segundas podendo ser divididas em (i) potencias internas e (ii) potencias externas. As potencias externas são já bem conhecidas: são os cinco sentidos externos, como o tato, visão, paladar, etc; já nas internas, temos o senso-comum, que unifica os dados experienciados pelos cinco sentidos externos, a memória, a imaginação e, por fim - e o que nos interessa aqui - a potencia cogitativa. Deixemos posto apenas, por hora, que a potencia cogitativa é aquela que descobre intenções nos dados externos que apreende por meio de comparação (q. 78, a.4), ou podemos também formular conforme Allers o faz, dizendo que "Aquinas speaks of the cogitative power (vis cogitativa) as an instinct, namely, as that by which the appetite is urged to activity. (...) it is more correct to say that the data apprehended by this internal sense have this urging power" (ALLERS, 1942, p. 625). Os dados excitam a potencia cogitativa, cujo objeto é a bondade ou valor que manifestados no particular apreendido, e assim, a cogitativa parece se distinguir das outras potencias internas, que não tem necessariamente sua operação ligada à razão (ALLERS, 1942, p. 625)
A tese formulada no artigo de Allers é de que há um paralelismo entre as capacidades cognitivas e as capacidades emocionais, entre a consciência dos valores e os estados emocionais, e que a manifestação de uma emoção não determina necessariamente a imaturidade intelectual de uma pessoa. Seguimos o autor ao definir emoções como " a mental state of peculiar character by which an individual responds to the awareness of a pleasant or unpleasant situation, or any other aspect of a situation entailing goodness or badness. This response is of the whole individual, mental and bodily, not of the mind or of consciousness alone" (ALLERS, 1942, p. 590), sendo assim a correlação mais clara, mostrando assim que o emocionar-se pressupõe que se apreenda o aspecto de bondade e valor do objeto que causou a emoção, e para apreender este aspecto, temos esta potencia cogitativa, que no ser humano faz essa ligação entre o sensível e o intelectual.
Na abordagem Tomista, podemos relacionar o conceito de emoções paralelo ao conceito de paixões da alma. Se é verdade que as paixões convém mais à parte sensitiva - enquanto recebe os dados da realidade exterior e assim sofre uma modificação corporal -, podemos considera-las apenas dessa maneira, distinguindo analiticamente e focando em seu aspecto sensitivo apenas, ou podemos considera-la enquanto pertence também à parte apetitiva do ser humano, que, segundo S. Tomás implica atração para aquilo que é próprio do agente (Q. 22, a.2, respondeo). Esse apetite sensitivo pode ser distinguido entre irascível e concupiscível, que se distinguem por sua referencia à objetos diferentes (e segundo S. Tomás, o objeto diversifica a espécie, e são portanto de espécies diferentes), sendo o da primeira "o bem ou o mal que tiverem razão de árduos ou dificeis" e o do segundo "o bem e o mal sensivel, deleitável e o doloroso"(Q.23, a.1, resp).
A importancia do estudo das emoções - ou paixões, considerando seu aspecto cognitivo - se apresenta na tese do ja mencionado psicólogo Rudolf Allers, de que "o homem, na emoção, toma consciência de seu 'status ôntico'" (ALLERS, 1942, p. 634), ou seja, sua reações emocionais, por guardarem um paralelo com sua condição cognitiva, revelam sua condição entitativa e moral. Para entender melhor de que forma isto acontece, partiremos da sistematização de S. Tomás de Aquino sobre as paixões
Ao distinguir as paixões do concupiscivel e as do iráscivel, forma um esquema contendo 6 paixões do primeiro e 5 do segundo, mas para a análise presente, importa mais que sejam analisadas as paixões concupisciveis, que são: (i) o amor e (ii) o ódio, (iii) o desejo/concupiscencia e a (iv) fuga/aversão, o (v) prazer/alegria e a (vi) dor/tristreza. Tomaremos como caso exemplar o amor.
O amor, sendo a primeira paixão na ordem das concupisciveis, é "o principio de movimento que tende para o fim amado"(q.26, a.1, resp), e pode ser considerado em vários sentidos, seja como apetite natural das coisas (forma imprópria), apetite sensitivo e apetite racional no ser humano, e neste ensaio, importa que tratemos da paixão do amor apenas enquanto ela uma mudança corporal causada por um objeto exterior (e por isso uma paixão) e tende para um o fim amado que é antes apreendido pela potencia cogitativa e percebido como um bem. Santo Tomás diz que três são as causas do amor(q. 27): (i) o bem e o (ii) conhecimento e a (iii) semelhança, e que se o amor apetece ao bem, só pode apetecer a ele enquanto este é conhecido, e só pode ser conhecido se de alguma forma for apetecível, e portanto, há uma relação mútua entre as duas causas, entre este aspecto afetivo (afecção, afectio) e cognoscitivo, de tal maneira que o o movimento amoroso à coisa ou à pessoa amada revela um bem percebido e conhecido, que pode ser tanto de uma visão corporal (que é principio do amor sensitivo) quanto da contemplação espiritual (que é principio do amor espiritual).
E que o que amamos pode revelar muito o que somos, sendo a semelhança também causa do amor - terceira causa -, podendo revelar tanto o que nos falta e que temos anseio por possuir (amor de concupiscência) ou aquilo que o amado possui assim como nós também possuímos, e cuja semelhança me faz ama-lo e querer seu bem por causa de si mesmo, e não enquanto posso possui-lo ou enquanto me traz beneficio (amor de amizade ou de benevolência). Dessa forma, o que amamos revela muito do que somos, das nossas inclinações; se amamos coisas baixas, isso pode dizer muitas coisas acerca de nosso status moral. De fato, Camões foi feliz quando em um de seus sonetos descreve que "Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar." O que esta sempre em nossa mente? O que desperta nosso amor ou ódio? Onde está nosso coração e nosso tesouro?
Quanto mais temos conhecimento da realidade amada, mais profundamente consideramos e conhecemos seu aspecto de bem, e pelo amor deste bem, queremos adentrar mais profundamente no conhecimento, em um "circulo virtuoso" faz com que tenhamos uma reação afetiva mais intensa e adequada em relação à retidão e profundidade da apreensão intelectual. Dessa forma, a vida afetiva e o ato moral do ser humano seria - conforme a formulação de Dietrich von Hildebrand - uma resposta adequada a um ou mais valores que nos "urgem"; na educação infantil, por exemplo, muitas vezes se busca impedir que a criança se expresse emocionalmente, uma vez que ela sempre o faz de forma escandalosa e desordenada, mas ora, a solução para isto não é eliminar as emoções, mas sim fazer com que ela, conhecendo as coisas que merecem atenção e reações mais ou menos intensas, possa reagir de forma adequada a elas. É preciso que seja ensinado à criança à hierarquia dos valores para que ela responda a cada um deles de forma adequada e justificada, sabendo que se são várias coisas que merecem entusiasmo, elas não são idênticas e algumas merecem um entusiasmo mais intenso que outras (Allers, 1944, nota 44).
Sintetizando, as emoções, (i) revelam o status ôntico do ser humano e (ii) revelam que há um paralelo entre capacidade cognitiva do ser humano e capacidades afetivas, sendo que quanto mais desenvolvido intelectualmente, mais adequadamente pode fruir das emoções e reagir adequadamente à realidade, se afastando de uma atitude apática e de uma atitude sentimentalista, pois suas emoções estão subordinadas à razão. Assim,
A mere cultivation of emotionalilty, as an end in itself, will cause more harm than good in the advance toward the perfect life. Emotion too, whatever its importante, its spontaneity, its impressiveness, must be subjected to the control of the rational faculties. It is not emotion itself which decides on its rightness or wrongness. Such judgment is passed by reason only. Here, as everywhere it is right reason to which the ultimate judgment belongs, and it is good will to which belongs execution." (ALLERS, 1944, p.648)
quinta-feira, 11 de abril de 2019
A Filosofia Politica Clássica, segundo Leo Strauss.
Este pequeno texto surgiu como uma tentativa de sintetizar a abordagem de Leo Strauss (1899-1973) quanto à filosofia política. É como que uma síntese de alguns de seus ensaios sobre o tema, contidos no livro Introdução à Filosofia Política: Dez Ensaios (É REALIZAÇÕES, 2014), principalmente os ensaios "O que é filosofia política?", "Sobre a Filosofia Política Clássica" e "As três ondas da Modernidade". Espero que possa ser útil aos estudantes da obra de Strauss, apesar de todas as limitações que, naturalmente, as sínteses possuem.
1. A Natureza da filosofia Política.
Para Leo Strauss (1899-1973), uma das grandes necessidades de nosso tempo não é apenas recuperar uma abordagem mais completa de filosofia política, mas reabilitar a possibilidade mesma de uma filosofia política, de um conhecimento (distinto aqui da opinião) sobre as coisas políticas segundo sua natureza. Ora, e mesmo que concedamos que nem sempre as nossas respostas e juízos nem sempre alcançarão a certeza apodítica sobre esses assuntos, ao menos deve-se buscar delimitar qual a natureza das questões politicas, seus limites e possibilidades, ainda que não saibamos como resolver as coisas políticas in concreto, é melhor conhecer antes o que são essas coisas, para depois pensar nas questões particulares que as envolvem. Isto quer dizer que, segundo Strauss,
(i) a diferença entre fatos e valores, sendo apenas os primeiros passiveis de verificação empírica - e cientifica, portanto - e os segundos sendo resultados de afetos subjetivos não verificáveis;
(ii) neutralidade das ciências empíricas, que julgam os fatos brutos - e dessa forma, qualquer juízo de valor quebraria a neutralidade e estaria fora do escopo de certeza exigido pela ciência,
(iii) a tese da insolubilidade dos conflitos de valor, de Max Weber, que diz que entre valores, por seu caráter subjetivo, não pode haver soluções certas pela ausência de critério objetivo para mensura-los;
(iv) a suposição de que o conhecimento cientifico é o mais elevado, e a consequente rejeição do conhecimento pré-cientifico;
(v) o historicismo, que sendo um desenvolvimento do positivismo, tem um status relativamente autônomo, de tal forma que rejeita algumas de suas principais teses, como a da distinção entre fatos e valores - pois todo conhecimento implica certas avaliações acerca do objeto conhecido - e a de que o conhecimento cientifico é o mais elevado - pois sendo um modo de conhecimento também condicionado historicamente, é tão relativa a nossos tempos como a astrologia o foi nos tempos antigos, sendo apenas mais uma forma entre outras.
À estas objeções, Strauss responde que (i) é impossivel estudar os fenomenos sociais importantes sem fazer juizos de valor, pois sempre que se vai analisar um objeto, o investigador sempre há de eleger os aspectos mais relevantes deste objeto para por em destaque, e essa escolha destes aspectos relevantes ja implica um juízo de valor. Esta resposta se assemelha com a investigação do jusfilósofo John Finnis, que formula o conceito de caso central para responder à esta concepção positivista nas ciências sociais. O exemplo mais simples disso é o de uma faca: pergunta-se o que é uma faca, e poderia-se responder de várias maneiras, dizendo ser um objeto com um cabo passível de ser segurado, com uma resistência razoável, com uma lamina, afiada ou não, etc. Ainda que eu possa definir esta faca segundo estes quesitos acidentais (cabo, resistência, etc), a melhor descrição da faca seria aquela na qual o cientista considera o fim para o qual a faca foi feita, isto é, cortar, e dessa forma, toda descrição da faca, será feita em função de seu caso central, o caso que elegemos do exemplar que melhor realiza seus fins. E mesmo isso sendo uma descrição, ela já implica uma valoração das notas mais relevantes, e essa valoração, muito longe de afetar negativamente nossa descrição, a eleva e lhe dá mais precisão. E segundo uma perspectiva clássica, Strauss diz que :
Respondendo à tese da insolubilidade dos conflitos de valor, Strauss responde simplesmente que (ii) esta nunca foi provada. Ora, essa insolubilidade só seria plausível se considerássemos os valores apenas como estados afetivos subjetivos impassíveis de qualquer classificação objetiva em qualquer escala; mas caso o que se chama de valor não seja isto - e não é -, está tese cai por terra, e propõe uma tese sob premissas não discutidas ou provadas (i.e. de que a valoração é um mero estado afetivo/subjetivo/emotivo incapaz de ser objetivamente mensurado).
Por fim, parece que o positivismo cientificista é (iii) negligente com algumas questões primárias, e acaba por levar à uma posição mais dogmática da ciência. Ora, a posição cientifica não percebe que ela mesma está cheia de pressupostos filosóficos dúbios ou ao menos não demonstrados. Também é patente que, não podendo justificar a si mesma pelo seu próprio método (o que a levaria a cair em uma petição de princípio), ele mesmo necessita de uma defesa filosófica, fora das ciências empíricas, que o justifique. Assim, o cientificismo, segundo seus pressupostos filosóficos implícitos, é julgado pela filosofia como pressupostos válidos ou não, razoáveis ou não, certos ou incertos.
2. Do clássico ao moderno.
Nas soluções clássicas, os paradigmas são Platão e Aristóteles, nos quais a Filosofia Política é guiada pela questão do melhor regime, que "é a ordem, a forma, que dá à sociedade o seu caráter" (STRAUSS, 2016, p. 51). Essa questão do melhor regime surge a partir da questão dos fins da sociedade, que para os clássicos, é a virtude, que só se tem por uma educação, que por sua vez requer ócio e certa riqueza capaz de prover essas condições; assim, sendo o fim da sociedade a virtude, o regime deve ser proporcional ao fim para o qual a sociedade se destina. E pelas exigências que a educação na virtude faz, maior parte dos autores clássicos tem uma visão negativa da democracia, que seria o governo dos não educados (pela falta de riquezas e de ócio, não tem educação, e não tendo educação, não são educados na virtude); e por isso, geralmente vêem no regime misto ou na República Aristocrática o regime adequado à meta da sociedade.
As soluções modernas, apesar de suas divergências internas, guardam um princípio em comum: a rejeição da abordagem clássica como utópica, irrealista, que pressupõe uma sociedade de anjos, etc. Esse princípio se inicia com o fundador da Filosofia Politica Moderna, Nicolau Maquiavel (1469-1527), que rejeita o esquema clássico como utópico, rejeita a noção de virtude como meta da sociedade buscando rebaixar os padrões morais para que se tornem mais factíveis, definindo assim a virtude nos termos do bem comum da sociedade politica - o que o distingue dos clássicos, que definiam o bem comum a partir de uma concepção de virtudes dentro da comunidade politica - e assim defendendo a ordem correta como a república pragmática. Segundo Strauss, o argumento de Maquiavel nessa mudança do conceito de bem comum é a seguinte:
Quem há de aprofundar a abordagem de Maquiavel é Thomas Hobbes (1588-1679), que aceita à crítica de Maquiavel aos clássicos, e coloca o poder - e não a virtude - na base de seu pensamento político; mas esse poder, diferentemente de Maquiavel, já é elaborado a partir de um esquema de direito natural - completamente distinto do que a tradição jusnaturalista aristotélica e escolástica entendia - derivado das necessidades e impulsos elementares do ser humano, como o medo, egoísmo, desejo de autopreservação e o medo da morte violenta.
Locke (1632-1704), mais tarde, irá manter esse desejo de autopreservação como uma das bases de seu pensamento, mas distingue-se de Hobbes por não ter o poder na centro de sua abordagem acerca da autopreservação, mas sim o direito de propriedade, que garante ao homem meios para melhor atingir seu fim. Montesquieu, segundo Strauss, também se afasta da abordagem das virtudes para pensar nas coisas políticas, e acaba por transferir ao comércio seu foco.
Por fim, Rosseau (1712-1778) é ao mesmo tempo uma ruptura e uma continuidade com os autores modernos anteriores, porque se ele é pai do contramovimento que deu as bases ao romantismo, ele mantem a autopreservação como raiz da sociedade civil, formulando também um argumento de direito natural a partir da concepção de estado de natureza, que passa a ser a meta do homem social. Formula também a doutrina da vontade geral, que não pode errar, uma vez que sendo o bem civil o que é acordado pela sociedade em um contrato social, e este contrato é feito pelas vontades, as vontades concordes não podem ser injustas - e aqui temos um princípio de argumento voluntarista.
Quando se analisa as bases do pensamento político moderno, extremamente abstrato e dificil até mesmo de imaginar certos conceitos como "vontade geral", "estado de natureza", e outros, Strauss contrapõe com os clássicos, dizendo que
3. As três ondas da modernidade
Para Leo Strauss, a modernidade vive uma crise, que consiste em que "o moderno homem ocidental não sabe mais o que quer - de que ele não mais acredita poder saber o que é bom ou mau, o que é certo ou errado." (STRAUSS, 2016, p. 93)
A primeira onda da modernidade pode ser identificada em Maquiavel, que foi o primeiro a rejeitar por completo a abordagem clássica da política, com sua (i) definição da virtude em termos do bem comum, sua (ii) visão mais rasa de moralidade - não tão alta para não ser utópica - , (iii) por sua visão de que a Fortuna (acaso) pode ser conquistado pela força e (iv) pela sua rejeição da noção clássica de natureza, agora tendo sido influenciado pela revolução das ciências naturais. Então duas características dessa primeira onda são (a) a redução do problema político e moral à um problema técnico e (b) o conceito de natureza passa a ser compreendido a partir da civilização como um artefato humano. Desenvolvendo o pensamento de Maquiavel, ainda na primeira onda, temos Thomas Hobbes, que Strauss sintetiza sua importância da seguinte maneira:
1. A Natureza da filosofia Política.
Para Leo Strauss (1899-1973), uma das grandes necessidades de nosso tempo não é apenas recuperar uma abordagem mais completa de filosofia política, mas reabilitar a possibilidade mesma de uma filosofia política, de um conhecimento (distinto aqui da opinião) sobre as coisas políticas segundo sua natureza. Ora, e mesmo que concedamos que nem sempre as nossas respostas e juízos nem sempre alcançarão a certeza apodítica sobre esses assuntos, ao menos deve-se buscar delimitar qual a natureza das questões politicas, seus limites e possibilidades, ainda que não saibamos como resolver as coisas políticas in concreto, é melhor conhecer antes o que são essas coisas, para depois pensar nas questões particulares que as envolvem. Isto quer dizer que, segundo Strauss,
[t]odo conhecimento das coisas politicas implica suposições a respeito da natureza das coisas políticas; isto é, suposições que dizem respeito não somente à situação política dada, mas à vida política ou à vida humana enquanto tal. (STRAUSS, 2016, p. 34)Uma das principais adversárias da filosofia política - entendida em seu sentido clássico - no século XX, segundo Strauss, é o positivismo, que rejeita não tanto os conteúdos quanto a própria possibilidade da filosofia política. Suas teses principais são:
(i) a diferença entre fatos e valores, sendo apenas os primeiros passiveis de verificação empírica - e cientifica, portanto - e os segundos sendo resultados de afetos subjetivos não verificáveis;
(ii) neutralidade das ciências empíricas, que julgam os fatos brutos - e dessa forma, qualquer juízo de valor quebraria a neutralidade e estaria fora do escopo de certeza exigido pela ciência,
(iii) a tese da insolubilidade dos conflitos de valor, de Max Weber, que diz que entre valores, por seu caráter subjetivo, não pode haver soluções certas pela ausência de critério objetivo para mensura-los;
(iv) a suposição de que o conhecimento cientifico é o mais elevado, e a consequente rejeição do conhecimento pré-cientifico;
(v) o historicismo, que sendo um desenvolvimento do positivismo, tem um status relativamente autônomo, de tal forma que rejeita algumas de suas principais teses, como a da distinção entre fatos e valores - pois todo conhecimento implica certas avaliações acerca do objeto conhecido - e a de que o conhecimento cientifico é o mais elevado - pois sendo um modo de conhecimento também condicionado historicamente, é tão relativa a nossos tempos como a astrologia o foi nos tempos antigos, sendo apenas mais uma forma entre outras.
À estas objeções, Strauss responde que (i) é impossivel estudar os fenomenos sociais importantes sem fazer juizos de valor, pois sempre que se vai analisar um objeto, o investigador sempre há de eleger os aspectos mais relevantes deste objeto para por em destaque, e essa escolha destes aspectos relevantes ja implica um juízo de valor. Esta resposta se assemelha com a investigação do jusfilósofo John Finnis, que formula o conceito de caso central para responder à esta concepção positivista nas ciências sociais. O exemplo mais simples disso é o de uma faca: pergunta-se o que é uma faca, e poderia-se responder de várias maneiras, dizendo ser um objeto com um cabo passível de ser segurado, com uma resistência razoável, com uma lamina, afiada ou não, etc. Ainda que eu possa definir esta faca segundo estes quesitos acidentais (cabo, resistência, etc), a melhor descrição da faca seria aquela na qual o cientista considera o fim para o qual a faca foi feita, isto é, cortar, e dessa forma, toda descrição da faca, será feita em função de seu caso central, o caso que elegemos do exemplar que melhor realiza seus fins. E mesmo isso sendo uma descrição, ela já implica uma valoração das notas mais relevantes, e essa valoração, muito longe de afetar negativamente nossa descrição, a eleva e lhe dá mais precisão. E segundo uma perspectiva clássica, Strauss diz que :
"[a] tentativa de substituir a busca da ordem política melhor por uma ciência politica puramente descritiva ou analítica que se abstêm de 'juízos de valor' é, do ponto de vista dos clássicos, tão absurda quanto a tentativa de substituir a arte de fazer sapatos, vale dizer, sapatos bons e bem ajustados, por um museu de sapatos feitos por aprendizes, ou quanto a ideia de uma medicina que se recuse a distinguir a saúde da doença." (STRAUSS, 2016, p. 85)
Respondendo à tese da insolubilidade dos conflitos de valor, Strauss responde simplesmente que (ii) esta nunca foi provada. Ora, essa insolubilidade só seria plausível se considerássemos os valores apenas como estados afetivos subjetivos impassíveis de qualquer classificação objetiva em qualquer escala; mas caso o que se chama de valor não seja isto - e não é -, está tese cai por terra, e propõe uma tese sob premissas não discutidas ou provadas (i.e. de que a valoração é um mero estado afetivo/subjetivo/emotivo incapaz de ser objetivamente mensurado).
Por fim, parece que o positivismo cientificista é (iii) negligente com algumas questões primárias, e acaba por levar à uma posição mais dogmática da ciência. Ora, a posição cientifica não percebe que ela mesma está cheia de pressupostos filosóficos dúbios ou ao menos não demonstrados. Também é patente que, não podendo justificar a si mesma pelo seu próprio método (o que a levaria a cair em uma petição de princípio), ele mesmo necessita de uma defesa filosófica, fora das ciências empíricas, que o justifique. Assim, o cientificismo, segundo seus pressupostos filosóficos implícitos, é julgado pela filosofia como pressupostos válidos ou não, razoáveis ou não, certos ou incertos.
2. Do clássico ao moderno.
"...o clássico é caracterizado por uma simplicidade nobre e uma grandeza serena." (Joachin Winckelmann, citado por STRAUSS, 2016, p. 45)Após discutir a natureza da Filosofia Política e o adversário principal dela, o positivismo, Strauss passa a considerar duas soluções que foram dadas para responder à questão da natureza, conteúdo e possibilidade da Filosofia Politica: as soluções clássicas e as modernas.
Nas soluções clássicas, os paradigmas são Platão e Aristóteles, nos quais a Filosofia Política é guiada pela questão do melhor regime, que "é a ordem, a forma, que dá à sociedade o seu caráter" (STRAUSS, 2016, p. 51). Essa questão do melhor regime surge a partir da questão dos fins da sociedade, que para os clássicos, é a virtude, que só se tem por uma educação, que por sua vez requer ócio e certa riqueza capaz de prover essas condições; assim, sendo o fim da sociedade a virtude, o regime deve ser proporcional ao fim para o qual a sociedade se destina. E pelas exigências que a educação na virtude faz, maior parte dos autores clássicos tem uma visão negativa da democracia, que seria o governo dos não educados (pela falta de riquezas e de ócio, não tem educação, e não tendo educação, não são educados na virtude); e por isso, geralmente vêem no regime misto ou na República Aristocrática o regime adequado à meta da sociedade.
As soluções modernas, apesar de suas divergências internas, guardam um princípio em comum: a rejeição da abordagem clássica como utópica, irrealista, que pressupõe uma sociedade de anjos, etc. Esse princípio se inicia com o fundador da Filosofia Politica Moderna, Nicolau Maquiavel (1469-1527), que rejeita o esquema clássico como utópico, rejeita a noção de virtude como meta da sociedade buscando rebaixar os padrões morais para que se tornem mais factíveis, definindo assim a virtude nos termos do bem comum da sociedade politica - o que o distingue dos clássicos, que definiam o bem comum a partir de uma concepção de virtudes dentro da comunidade politica - e assim defendendo a ordem correta como a república pragmática. Segundo Strauss, o argumento de Maquiavel nessa mudança do conceito de bem comum é a seguinte:
"Por bem comum, devemos entender os objetivos efetivamente perseguidos por todas as sociedades. Esses objetivos são: liberdade em relação à dominação estrangeira. estabilidade ou império da lei, prosperidade, glória ou império. A virtude no sentido efetivo da palavra é a soma dos hábitos que são requeridos para esse fim, dos hábitos que conduzem a ele. É esse fim, e apenas ele, que torna nossas ações virtuosas. Tudo que é feito, com efetividade, em nome deste fim é bom. Esse fim justifica os todos os meios. A virtude nada mais é que a virtude civica, o patriotismo, ou a devoção ao egoísmo coletivo." (STRAUSS, 2016, p. 60)
Quem há de aprofundar a abordagem de Maquiavel é Thomas Hobbes (1588-1679), que aceita à crítica de Maquiavel aos clássicos, e coloca o poder - e não a virtude - na base de seu pensamento político; mas esse poder, diferentemente de Maquiavel, já é elaborado a partir de um esquema de direito natural - completamente distinto do que a tradição jusnaturalista aristotélica e escolástica entendia - derivado das necessidades e impulsos elementares do ser humano, como o medo, egoísmo, desejo de autopreservação e o medo da morte violenta.
Locke (1632-1704), mais tarde, irá manter esse desejo de autopreservação como uma das bases de seu pensamento, mas distingue-se de Hobbes por não ter o poder na centro de sua abordagem acerca da autopreservação, mas sim o direito de propriedade, que garante ao homem meios para melhor atingir seu fim. Montesquieu, segundo Strauss, também se afasta da abordagem das virtudes para pensar nas coisas políticas, e acaba por transferir ao comércio seu foco.
Por fim, Rosseau (1712-1778) é ao mesmo tempo uma ruptura e uma continuidade com os autores modernos anteriores, porque se ele é pai do contramovimento que deu as bases ao romantismo, ele mantem a autopreservação como raiz da sociedade civil, formulando também um argumento de direito natural a partir da concepção de estado de natureza, que passa a ser a meta do homem social. Formula também a doutrina da vontade geral, que não pode errar, uma vez que sendo o bem civil o que é acordado pela sociedade em um contrato social, e este contrato é feito pelas vontades, as vontades concordes não podem ser injustas - e aqui temos um princípio de argumento voluntarista.
Quando se analisa as bases do pensamento político moderno, extremamente abstrato e dificil até mesmo de imaginar certos conceitos como "vontade geral", "estado de natureza", e outros, Strauss contrapõe com os clássicos, dizendo que
Comparado à filosofia politica clássica, todo pensamento político posterior, quaisquer que sejam os seus méritos, e em particular o pensamento político moderno, tem um caráter derivado. Isso quer dizer que os tempos posteriores conheceram um distanciamento em relação às questões simples e primárias. Esse distanciamento conferiu à filosofia politica o caráter da "abstração", engendrando, portanto, a visão de que o movimento filosófico deve ser um movimento não da opinião para o conhecimento, não do aqui e afora para o que é sempre ou eterno, mas do abstrato para o concreto. Pensou-se que, em virtude desse movimento na direção do concreto, a filosofia mais recente teria superado as limitações não apenas da filosofia política moderna, como, também, da filosofia política clássica. O que não foi considerado, entretanto, é que essa mudança de orientação perpetuou o defeito original da filosofia moderna, na medida em que aceitou as abstrações como ponto de partida, e que o concreto no qual assim se chegava não era, de forma alguma, o verdadeiramente concreto, mas ainda uma abstração. (STRAUSS, 2016, p. 46)
3. As três ondas da modernidade
Para Leo Strauss, a modernidade vive uma crise, que consiste em que "o moderno homem ocidental não sabe mais o que quer - de que ele não mais acredita poder saber o que é bom ou mau, o que é certo ou errado." (STRAUSS, 2016, p. 93)
A primeira onda da modernidade pode ser identificada em Maquiavel, que foi o primeiro a rejeitar por completo a abordagem clássica da política, com sua (i) definição da virtude em termos do bem comum, sua (ii) visão mais rasa de moralidade - não tão alta para não ser utópica - , (iii) por sua visão de que a Fortuna (acaso) pode ser conquistado pela força e (iv) pela sua rejeição da noção clássica de natureza, agora tendo sido influenciado pela revolução das ciências naturais. Então duas características dessa primeira onda são (a) a redução do problema político e moral à um problema técnico e (b) o conceito de natureza passa a ser compreendido a partir da civilização como um artefato humano. Desenvolvendo o pensamento de Maquiavel, ainda na primeira onda, temos Thomas Hobbes, que Strauss sintetiza sua importância da seguinte maneira:
Pode-se descrever a mudança operada por Hobbes do seguinte modo: enquanto antes dele a lei natural era entendida à luz de uma hierarquia dos fins do homem na qual a autopreservação ocupava o lugar mais baixo, Hobbes entendeu a lei natural exclusivamente em termos de autopreservação; em conexão com isso, a lei natural veio a ser entendida primeiramente em termos de direito de autopreservação enquanto oposto a toda obrigação ou todo o dever - um desenvolvimento que culmina na substituição da lei natural pelos direitos do homem (com "natureza" dando lugar à "homem" e "lei" sendo substituida por "direitos"). (STRAUSS, 2016, p. 100)A segunda onda da modernidade tem como fundador Jean Jacques Rosseau, que (i) retoma o problema da virtude com o recurso ao estado de natureza e da relação entre natureza - que passa a ser resultado do desenvolvimento do homem até o momento - e sociedade civil, sendo a sociedade civil fundada a partir do acordo da vontade geral - que toma lugar da lei natural - que, por seu caráter consensual, não pode falhar. na doutrina de Rosseau se funda o romantismo e o idealismo alemão, principalmente em sua concepção de estado de natureza. Neste sentido,
[a] bondade da mera existência é experimentada no sentimento da (própria) existência. É esse sentimento que dá ensejo à preocupação com a preservação da existência, a toda atividade humana; mas essa mesma preocupação impede o gozo fundamental e torna o homem triste. Apenas retornando à experiencia fundamental o homem pode ser feliz(...). (STRAUSS, 2016, p. 104)Por fim, a terceira onda da modernidade inicia com Nietzsche,que entende a existência como uma experiencia de terror e angustia com a relatividade dos ideais humanos na história, sendo todos eles nada mais que frutos e criações humanas, o que funda o projeto da transvaloração dos valores, cuja raiz está na vontade de poder. Essa terceira onda, niilista, de um [super] homem cruel, que esta acima do bem e do mal, segundo Strauss, fez com que uma das implicações naturais dessa concepção fosse o fascismo no século XX, enquanto da primeira e da segunda onda, foi originada a teoria da democracia liberal
domingo, 24 de março de 2019
As Fundações do Pensamento Político Moderno - Quentin Skinner (Parte I)
Esta é uma síntese do livro clássico As Fundações do Pensamento Politico Moderno (Companhia das Letras, 1996), de Quentin Skinner. Cobre apenas a parte I (As Origens da Renascença) do livro. Pode ser útil para estudantes de História da Filosofia Politica e do Pensamento Juridico. Espero que ajude!
Quentin Skinner (1940- ) |
Para compreender o contexto no qual nasce essa forma de pensamento político, precisamos ir ao Norte da Itália no século XI até a primeira metade do século XII, nas quais as cidades já não tinham caráter feudal, o governo era consular, e os cônsules trocavam de cargo quase anualmente. As principais cidades neste modelo eram :Pisa (1085), Lombardia, Toscana, Milão (1097), Arezzo (1098), Luca, Bolonha, Siena (1125).
Já na segunda metade séc. XII, o modelo consular entra em declínio, e há a ascensão do podestà - funcionário eleito investido de poder supremo - que parece ser uma forma mais estável de governo, se comparada com a forma consular. Esse é o modelo de republicas independentes em grande parte do Norte da Itália no fim do séc. XII, que apesar de tudo, não foi privada de conflitos, que começam a surgir nos inícios do século XIII, com facções internas, ameaça à liberdade e autonomia italiana e a ascensão de déspotas e signores .
Esse modelo era algo inovador no conjunto do feudalismo medieval, e uma das teses de Skinner é de que o ideal de liberdade só pôde surgir a partir das condições politicas em questão. É curioso ver que juridicamente (de iure), essas cidades italianas eram vassalas do Sacro Império Romano, mas isso não tinha consequências práticas (de facto) em sua organização administrativa, podendo agir com uma independência grande, e sempre resistindo às tentativas de submissão de suas cidades aos suseranos. O recurso ao Papado inicialmente era um aliado contra o Império, mas depois passou a ser ameaça às liberdades conquistadas, pois muitas vezes, os Papas Juristas buscavam a legitimação de ambições seculares sobre o Regnum itálicum, como Bonifácio VIII e a Unam Sanctam (1302). Após a ameaça papal, alguns autores buscaram legitimar novamente a monarquia como possibilitadora da paz e da liberdade, como Dino Compagni (1255–1324), Dante Alighieri, Marsilio de Pádua (1275–1342) - que em seu Defensor Pacis, escrito em 1324, ataca as pretensões eclesiásticas temporais.
É sabido por todos que estudam a História do Direito que com o surgimento das Universidades, os estudos jurídicos de maior qualidade se concentraram na Universidade de Bolonha. Isso se deu porque os estudiosos de Bolonha tentaram solucionar algumas dificuldades legais nos estudos dos textos do Direito Romano, uma vez que havia um contraste entre a estrita observância ao Corpus Juris Civillis e outros textos de Direito Romano (cujo renascimento em seus estudos se deu no inicio do séc. XI) glosados nas Universidades italianas e a necessidade de defender-se das pretensões imperiais. Esse contraste se dava porque os textos favoreciam o Imperador e suas pretensões de domínio nas republicas da Itália. Surgem então, no inicio do século XIV, os Pós Glosadores, que tentavam solucionar esses problemas do domínio imperial.
Um dos pioneiros dessa escola de Pós Glosadores é Bartolo de Saxoferrato (1314–1357), que estudou em Bolonha e lecionou Direito Romano na Toscana e Lombardia. Sua pretensão - e a da escola que lhe sucedeu- era reinterpretar os textos romanos dando base legal para as cidades italianas, o que foi considerado uma ruptura com a escola de glosadores que o precedeu, que tinham o método de adequar os fatos ao texto legal; já Bartolo e os Pós Glosadores adequavam a lei aos casos e situações concretas.
Um dos instrumentos conceituais que usaram para isto foi a distinção entre o dominium imperial de iure e de facto. O imperador deve aceitar a situação de facto, ou seja, a de que os povos florentinos e outros não de prestam obediência. Bartolo, no seu comentário ao Digesto, diz que:
“(…)no caso das cidades da Italia atual, e especialmente daquelas cidades toscanas que não reconhecem ninguém como superior a elas, julgo que constituem por si mesmas um povo livre, e portanto possuem o merum Imperium em si mesmas, tendo tanto poder sobre sua própria populaça quanto o imperador geralmente possui.” (Comentário ao Digesto)
Dessa forma, as Cidades governadas por povos livres constituem sibi princeps. Antecipa assim a tese de que “Rex in regno suo est Imperator”, e consequentemente, está em germe a tese da soberania nacional.
Tendo visto as condições políticas para o surgimento desse Renascentismo italiano, existem condições culturais e intelectuais que preparam este movimento, dentro do ensino da retórica e do pensamento escolástico.
O estudo da retórica - desde o século XI - ganha um papel politico importante, e seus desdobramentos levaram ao nascimento das obras de conselhos aos príncipes (Espelho dos Principes) - este estudo, da Ars Dictaminis, a partir do século XIII tem incorporada a Ars Arguendi, que consolida o papel político deste ensino.
A Escolástica, influenciada por Aristóteles - redescoberto há pouco na Espanha - , muda o paradigma de filosofia política e faz crítica ao agostinianismo politico predominante. Inúmeros italianos foram para Paris - centro dos estudos de Teologia Sagrada e de Aristóteles - estudar e regressaram e difundiram suas visões adequando às pretensões politicas das cidades.
Junto com esse humanismo, e renovação do estudo dos autores latinos, surge um novo olhar à história de Roma: o melhor período teria sido o republicano e que o maior valor da vida política é a pax et concordia. Os principais autores deste período são Remigio de Girolami (+1319), Ptolomeu de Luca (+1327) - que conhecia e debatia com frequência com S. Tomás de Aquino, tendo completado a obra Do Governo dos Principes, de Aquino - e Marsilio de Pádua, que em seu Defensor Pacis (1324) defende a liberdade das cidades estado contra a intervenção da Igreja. A influencia desses autores é sintetizada por Skinner:
"(...)[A]s doutrinas de Marsilio e de Bartolo também tiveram uma importância ideológica imediata nas cidades-republicas italianas de seu tempo. Os dois pensadores não proporcionaram apenas a defesa mais completa e mais sistemática da liberdade republicana contra o advento dos déspotas: também introduziram um engenhoso método de se argumentar contra os apologistas da tirania em seus próprios termos. Como vimos anteriormente, a maior defesa dos déspotas de fins do Duzentos e de seus sucessores tomava a forma da tese de que, enquanto a conservação da liberdade republicana tendia a um caos politico, o governo de um signore unico sempre trazia consigo a garantia da paz. (...) É contra essa ortodoxia que a defesa da liberdade republicana montada por Marsílio e Bartolo tem de ser entendida. Eles concedem que o valor fundamental na vida politica consiste na conservação da paz. Mas negam que esta seja incompatível com a preservação da liberdade. A mensagem final que deixam para seus contemporâneos é, assim, que um povo pode desfrutar das bençãos da paz sem precisar perder a liberdade: e, para tanto, a condição é que o papel de 'defensor da paz' seja assumido pelo próprio povo." (SKINNER, 1996, p. 85-86)
quinta-feira, 7 de março de 2019
Sintese biográfica de Santo Inácio de Loyola (J.M.S. Daurinac)
Essa é uma sintese dos principais eventos da vida de Santo Inácio de Loyola, a partir de sua biografia escrita por J.M.S. Daurinac (Edições Centro Dom Bosco). Este é um que marcou muito minha vida, e sempre me recorda que a vida do cristão é uma luta, um combate incessante, em que temos de nos ater ao Principio e Fundamento a todo momento, e escolher a cada momento combater no exército de Cristo. Espero que conhecer a vida deste grande santo possa fazer com que olhemos a Deus e queiramos, como Santo Inácio, fazer tudo para a maior glória de Deus!!!
PARTE 1: CORTESÃO E GUERREIRO (1491–1522)
PARTE 1: CORTESÃO E GUERREIRO (1491–1522)
- Filho de D. Beltrão Yanez de Onaz y Loyola e de D. Marina Saenz de Licona y Balda. O casal teve 11 filhos: 8 homens e 3 mulheres.Inácio nasce em 1491, no Castelo de Loyola. Os homens tinham disposições belicosas, e sua mãe rogava para que Inácio não as tivesse também. Mas o filho se mostrou ainda mais turbulento que seus irmãos
- O duque de Najera, D. Antônio Marique, tio de Inácio, fez com que Inácio fosse admitido na escola dos pajens do Rei Fernando, O Católico. Após terminada sua educação, continuou na corte, se ausentando apenas para os treinamentos em armas junto de seu tio. Na Corte, se sentiu atraido por uma princesa, e não era repelido; quando narrou ao Padre Gonçalves da Câmara este episodio, não aprofundou nele, apenas dizendo que a moça era de uma dignidade maior que a de duquesa, e dessa forma, se presume que seja uma princesa. E entre as princesas, só poderiam haver duas possibilidades na Espanha daquela época: Germana de Foix (sobrinha de Luis XII e viúva de Fernando, O Católico) e a jovem Catarina de Aragão.
- Com 26 anos, sai com seu tio para batalhar contra os castelhanos, que ocuparam Najera. Cercam a cidade, invadem e a cidade é entregue à pilhagem. Pacificação de Castela é feita com sucesso, e Ínácio volta à Valência por um tempo, mas a abandona quando seu tio, D. Antonio Manrique, que era o então Vice Rei de Navarra, o chama para que o acompanhe à cerimonia de sua posse. No meio do caminho soube-se que o Conde de Esparra, Andre de Foix, marchava sobre a Espanha com um grade exército. D. Manrique deixa suas tropas de Pamplona sob o comando de Inácio, e vai à provincia de Castela para procurar auxilio. Os franceses queriam reconquistar a Navarra espanhola em nome de Henrique de Albret, filho e herdeiro de D. João III, destronado por Fernando, O Católico. Navarra foi conivente com os reconquistadores e apoiavam Albret, em razão da repulsa que tinham a Fernando, uma vez que, uma vez que a Navarra independente foi conquistada, tornou-se mera provincia espanhola. Os franceses cercam Pamplona, e Inácio se recusa a render-se e tentam defender a fortaleza, e em 20 de Maio, são derrotados.
- Inácio é ferido na perna esquerda e na direita (nesta, por uma bala de canhão que ricocheteia. É transportado ao quartel general dos franceses, e é recebido como herói até mesmo por Andre de Foix. Inácio pede ao general para que avise a D. Manrique que foi derrotado honradamente, e para que não tente resistir aos franceses, que são agora os senhores da praça. Após isso, é levado de liteira ao Castelo de Loyola.
- Seu pai falece, e D. Martim Garcia, irmão mais velho de Inácio, torna-se chefe de familia. Inácio descobre que sua perna direita foi mal curada, e fica com um calo ósseo que o deixa como que manco; para tentar curar, é preciso quebrar o calo ósseo formado, quebrar a perna de novo, unir as partes do osso, e aplicar um aparelho. Inácio aceita o doloroso tratamento, com receio de ficar disforme. Caí doente após a operação, de tal forma que recebe os últimos sacramentos, mas se recupera após uma visão em sonho na qual o Apóstolo São Pedro coloca a mão sobre ele e o cura. Após acordar, descobre que ficou coxo, após a primeira cirurgia. Se submete a outra, ainda mais dolorosa, que lhe manteve em repouso no Castelo por um tempo consideravel.
- Neste meio tempo, precisa se entreter de alguma forma, e pede para que D. Garcia lhe traga romances de cavalaria, que lhe alimentaram em sua imaginação militar; não encontrando romance algum, leva a Inácio dois livros piedosos — a contragosto de Inácio, de inicio — : (i) Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Frei Ludolfo e (ii) A Flor dos Santos. Inicia um processo de conversão, e de desapego às vaidades a que se prendia na Corte.Escrevia os trechos que mais lhe marcavam em um manuscrito que chegou a ter 300 paginas. Sente em um momento a vontade de abandonar tudo para servir somente a Deus, e pede a Santissima Virgem que aceitasse esse compromissos que tomava de viver para a glória do Divino Filho e ser fiel à sua bandeira e servir sob sua milícia e suas ordens.
- Sai de casa, levando apenas os manuscritos em 1522,
PARTE II: MENDIGO E PEREGRINO (1522–1524).
- Inácio, vestido como fidalgo, toma estrada que conduz a Barcelona. Vai a Monserrate, por-se sob proteção da Virgem Maria, Chega ao convento dos beneditinos e faz confissão geral com o Pe. João Chanones, e só a conclui após três dias. No dia 24 de Março, após a confissão, troca suas vestes de fidalgo da corte pelas vestes de um mendigo, e passa a noite fazendo sua “vigilia de armas”, na esperança de comungar no dia seguinte. No dia 25 de Março (Anunciação), abandona Monsserrate, querendo ir a Terra Santa.
- D. Inês Pascoal em Manresa, acolhe Inácio no Hospital Santa Lúcia. Perto de Manresa, encontra uma gruta de uns trinta passos de comprimento, e dez de largura, e estabelece lá sua morada. Sofre muito a sua saúde pelas numerosas penitencias e jejuns, e muitas vezes é levado ao Hospital Santa Lúcia. Até que D. Andre Ferreira de Amigante leva Inácio para sua casa até que ele se reestabeleça.
- Retorna ao Hospital e seu confessor lhe impõe para que habite lá. Começa a ter visões místicas e passa a penetrar profundamente o mistério Trinitário, e Deus lhe dá conhecimento profundo sobre os mistérios da fé. Começa a sentir o chamamento a tornar Cristo mais conhecido por um trabalho apostólico. Em sua biografia, a autora põe essas palavras na boca de S. Inácio: “Não basta que eu sirva o Senhor Soberano do Céu e da Terra; é necessário que Ele seja amado por todos os corações; é necessário que todas as vozes o bendigam e cantem os seus louvores! Não basta que eu trabalhe para a minha própria perfeição; é necessário, para a maior glória de sua divina Majestade, que eu trabalhe para a dos outros!” (p. 75). Sai para Barcelona.
- Em Barcelona, 1523, conhece Inácio à D. Isabel de Rossel, que lhe ajuda a conseguir um navio que o aceite para que possa ir aos Lugares Santos. Vai a Roma pedir autorização para a viagem, e chega no domingo de Ramos de 1523. Consegue a autorização do Papa Adriano VI. Chega em 4 de Setembro em Jerusalem, e tem inspiração a formar uma compahia de discipulos para seu apostolado naqueles lugares. O provincial dos Franciscanos o proibe de ficar la, por não ter fundos nem para eles próprios, tanto menos para um peregrino.
- Volta e chega a Veneza em janeiro de 1524.
TERCEIRA PARTE: MESTRE E DISCIPULO (1524–1534)
1. A sua resolução de fundar uma Companhia de Apóstolos mostrava-o a necessidade de formar-se intelectualmente para tal nas ciências humanas, uma vez que nas divinas, suas visões lhe haviam infundido grande ciência destas coisas. Resolveu, desta forma, ir a Barcelona para aprender os fundamentos da língua latina (Inácio já tinha 33 anos de idade), e para os auxílios no estudo conseguiu de seus amigos D. Isabel Rossel e D. Ines Pascoal o necessário em livros e esmolas. Inicia seus estudos com o professor Jeronimo Ardebalo, e teve muitas dificuldades nos estudos e na concentração, uma vez que se distraia muitas vezes à contemplar as maravilhas divinas. Para formar seu gosto na leitura, lhe indicam as obras de Erasmo, as quais Inácio não aprecia tanto quanto à Imitação de Jesus Cristo.
2. Inicia seu apostolado na cidade — reduzido, em razão do tempo que os estudos lhe consumiam — pelo Convento dos Santos Anjos, onde o fervor havia diminuído e os costumes degenerado. Pede ao Padre Martinho Puyalto, e consegue autorização para aplicar os Exercicios Espirituais; o resultado foi uma completa reforma e chama de fervor renovado, o que deixou descontentes vários homens mundanos, que tentaram matar certo dia a Santo Inácio e o Padre Puyalto — conseguem assassinar o segundo. Um homem, chamado Ribeira, confessa ser mandante do crime, e o santo o perdoa. Opera numerosos milágres em Barcelona, que o deixam com fama de santo.
3. Após dois anos de estudos básicos em Barcelona, seu professor lhe dirige à Universidade de Alcalá, para estudar Filosofia. Na partida, muitos querem o acompanhar fazendo-se discípulos do santo: D. João Pascoal — filho de D. Ines -, Miguel Rodez, e outros. Inácio rejeita o primeiro, prevendo que este irá se casar com uma moça virtuosa, mas há de sofrer muito por seus filhos, para a maior gloria de Deus, e ao segundo, diz que sua vocação é na magistratura. Aceita apenas a Calisto, Artiaga e Diogo Cazeros.
4. Chega em Alcalá em agosto de 1526. Conhece um estudante de Filosofia, D. Martinho Olavo, que há de ser um de seus filhos da Companhia. Aloja-se no hospital de Antezuma e usa seu tempo para o cuidado dos pobre e doentes, onde conhece um novo discipulo, João, que se junta aos três primeiros. Antes de iniciar as aulas, o santo tenta adiantar os estudos que haveria de fazer na Universidade — logica de Soto, Fisica de Alberto Magno e Teologia de Pedro Lombardo -, sem sucesso. Começa a servir os doentes, visitar aos pobres, explicar o catecismo às crianças e dar conferencias espirituais na sala do hospital, mas também faz um grande serviço na conversão dos estudantes universitários. Pelo sucesso que tem tido, alguns o denunciam à Inquisição de Toledo, da qual o inquérito o absolve, mas proíbe ele e seus discípulos de vestirem-se de forma a parecerem religiosos. Outro conflito com a Inquisição o proíbe de ensinar religião. Tendo sido frustrado seu apostolado na cidade, vai a Valladolid e depois à Salamanca, onde tem problemas com a Inquisição — por ser leigo, e ensinar religião, e por certas calúnias feitas a ele -, e é preso com Calisto. Sendo absolvido após as investigações provarem ser ele inocente e seu ensino ser orotodoxo, vai à Paris, onde, após um problema com alguns colegas de quarto, se abriga no hospital Saint Jacques. Seu apostolado em Paris conquista 3 jovens, que decidem abandonar tudo, dar seus bens aos pobres, e viver a santa pobreza: D. Peralto, D. Amatore e D. João de Castro. Após novas difamações feitas, é declarado novamente inocente e ortodoxo pela Inquisição de Paris, mas perde seus 3 discipulos — D. Joao virou cartuxo depois.
5. Vai estudar filosofia no Colégio Santa Barbara. Conhece, depois de um tempo, dois dos que seriam seus primeiros discípulos: Pedro Fabro e Francisco Xavier, que lhe resistiu por mais tempo. Leva ambos a fazerem os Exercicios, e os conquista para a causa de Cristo.
6. Em 1533, sua fama de santidade leva à ele Alfonso Salmeron e Diogo Laynez, que querem ser seus discípulos. Conhece também Simão Rodrigues, Nicolau Bobadilha e Jeronimo Nadal. Pedro Fabro é ordenado em 1534.
7. Em 1534, no dia 15 de agosto, decidem ir ao convento de Monrmartre para fazerem votos, para seguirem numa vida apostólica ate a terra santa, ou por-se a disposição do Santo Padre, caso não seja possível. Neste ano nasceu a Companhia de Jesus, no mesmo ano que o heresiarca Henrique VIII fazia seu cisma na Inglaterra e que Calvino espalhava seus erros e heresias em Genebra.
QUARTA PARTE: FUNDADOR DA COMPANHIA DE JESUS (1534–1541)
1. Enquanto Inácio vai a Espanha resolver os negócios de seus discípulos, Fabro conquista mais 3 discipulos através dos exercícios: Claudio Lejay, Pascácio Broet e João Cordure. Inácio, em sua viagem, conquista Diogo de Hozez.
2. Decidem se encontrar em Veneza em 1537, e fazem um caminho que passa pela Alemanha, e tem vivas controvérsias com os hereges luteranos. Chegando em Veneza, Inácio manda seus discípulos a Roma para conseguir do Papa autorização para ir à Terra Santa. O Papa, não permite, mas abençoa-os com paternal carinho e permite aos que não são ordenados, que o sejam.
3. São ordenados no dia 24 de Junho de 1937. Inácio, Fabro e Laynez vão para Vicencia; Xavier e Salmeron vão para Montelice; Rodrigue e Lejay vão para Bassano; Cordure e Hoces para Treviso; Broet e Bobadilha vão para Verona. Reunidos, decidem fazer apostolado nas grandes Universidades: vão em duplas, sendo cada semana um deles o superior. Inácio, Laynez e Fabro vão a Roma. Inácio é encarregado do serviço apostólico, Laynez da cadeira de escolástica e Fabro da cadeira de Escritura Sagrada no Colégio de Sapiencia. Não sendo possível ir à Terra Santa, vão todos a Roma se por a disposição do Santo Padre — chegam em 1538. Esperando p Papa Paulo III voltar a Roma para pedirem que constitua em Ordem Religiosa sua Companhia, começam a escrever as Constituições.
4. Em Roma, em 1538, tiveram controvérsia com o Frei Agostinho do Piemonte, que viria depois a apostatar à Fé Catolica para a heresia luterana. Continuam a cuidar dos doentes no Hospital de Roma, e neste mesmo ano, Inácio tem a alegria de conquistar seu sobrinho Antonio de Araoz para a causa de Cristo.
5. Erigida em Ordem religiosa em 27 de setembro de 1540. Inácio é proclamado Geral da Companhia em 19 de abril de 1541.
QUINTA PARTE: GERAL DA COMPANHIA DE JESUS (1541–1556)
1. A Companhia tem uma fama de santidade tão grande, que são solicitados por todos os Estados Europeus. Xavier é enviado para as Índias, e Simão Rodrigues funda Colégio em Portugal; Fabro vai para a dieta de Worms na Alemanha, mas quem acaba por ficar na Alemanha é Bobadilha e Lejay; na Inglaterra da apostasia de Henrique VIII, Padre Salmeron e Broet; por fim, Padre Laynez vai à Venza. Neste ano (1541), Padre Cordure falece.
2. A Companhia esta cheia de noviços, entre eles: Antonio de Araoz (sobrinho do santo), Francisco Estrada, Diogo de Enguia e Pedro Ribadeneira. Exercitava-os profundamente na santa obediência, e não hesitava em expulsar os que não se adequassem. Daurinac conta algumas dessas provas a que submetia os seus:
“Assim, o santo fundador ordenava a um pregador que se ocupasse dos negócios da casa, sem cessar as suas pregações; queria que o professor de teologia ensinasse gramática; enviava o professor de teologia à cozinha.
Um Padre preparava-se para celebrar a Santa Missa e estava já revestido dos paramentos; vinham adverti-lo de que o Padre Geral lhe queria falar e o padre devia tirar os paramentos e ir onde a obediência o chamava. Chegando diante do Padre Geral, este dizia-lhe simplesmente: — Vá dizer missa.” (p.243)
3. Entre as obras de catequese e regeneração, Inácio funda a Casa de São João de Mercato, onde dava asilo aos catecúmenos e neófitos vindos do judaísmo, que tinham receio da pobreza que geralmente seguia-se da conversão. Pede ao Santo Padre para que assegure aos judeus convertidos a conservação de seus bens legítimos ou adquiridos, o que foi concedido pelo Papa Paulo III. Neste ano, através dessa obra, Inácio pode batizar quarenta judeus. Outras obras são as casas para crianças abandonadas, protegida por um Cardeal; e nas suas visitas aos hospitais, retorna um costume devoto segundo o qual o médico só poderia fazer duas visitas ao paciente, a terceira necessitando que o doente faça sua Confissão antes, o que ajudava a não perder as almas que decidiam se confessar apenas de última hora; para as moças arrastadas pela miséria, o Convento de Santa Catarina as acolhe até o casamento, ou até a profissão religiosa, caso sejam chamadas a isto. Jeronimo Nadal faz os Exercicios e se junta à Companhia.
4. Os discípulos novamente se espalham pelo mundo. Paulo III chama Padre Laynez e Salmeron para o Concilio de Trento como seus legados.Há grande polêmica, uma vez que Fernando I deseja elevar o Pe. Claudio Lejay ao episcopado, e Inácio se opõe firmemente, para preservar o espírito de humildade da Companhia. Já nesta época, há cerca de 200 membros e 9 professos. Em 1546, Pedro Fabro morre. Apesar da expansão da Companhia, sempre é atacada e difamada: fica famosa a controvérsia entre Melchor Cano — ferrenho opositor da Companhia — e João Pena — dominicano, que defendeu a Companhia. Salmeron e Canísio vão à Alemanha combater os hereges luteranos.Funda-se ai o Colégio Germanico, para estudos dos alemães, onde os estudantes se comprometeram a permanecerem fieis à Fé Católica. Este foi o primeiro seminário semelhante aos que conhecemos hoje.
5. Inácio falece no dia 31 de julho de 1556, no dia do aniversario da aprovação pela Santa Sé dos Exercicios, com 65 anos. A sua obra, naquele momento já tinha 12 provinciais, mais de cem colégios, três mártires — um nas Indias orientais e dois no Brasil. 43 anos depois, o Cardeal Bellarmino — jesuíta, feito cardeal por Clemente VIII, sob pena de pecado — fez sermão por ocasião da morte do Santo, à qual teve o Cardeal Barónio como um dos ouvintes, que ficou maravilhado e pediu para que se colocasse uma imagem de Inácio na frente de seu túmulo, que foi como que uma autorização da devoção popular que se tinha. O processo foi aberto por Paulo V, de 1605 à 1609, e foi declarado bem aventurado; mais tarde, Gregório XV o canonizava em 12 de Março de 1622; Urbano VIII em 1623 declara Santo Inácio no nímero dos santos em uma de suas bulas, mencionando 200 milagres atribuídos.
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