quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Filosofia Politica Clássica, segundo Leo Strauss.

Este pequeno texto surgiu como uma tentativa de sintetizar a abordagem de Leo Strauss (1899-1973) quanto à filosofia política. É como que uma síntese de alguns de seus ensaios sobre o tema, contidos no livro Introdução à Filosofia Política: Dez Ensaios (É REALIZAÇÕES, 2014), principalmente os ensaios "O que é filosofia política?", "Sobre a Filosofia Política Clássica" e "As três ondas da Modernidade". Espero que possa ser útil aos estudantes da obra de Strauss, apesar de todas as limitações que, naturalmente, as sínteses possuem.


1. A Natureza da filosofia Política.
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Para Leo Strauss (1899-1973), uma das grandes necessidades de nosso tempo não é apenas recuperar uma abordagem mais completa de filosofia política, mas reabilitar a possibilidade mesma de uma filosofia política, de um conhecimento (distinto aqui da opinião) sobre as coisas políticas segundo sua natureza. Ora, e mesmo que concedamos que nem sempre as nossas respostas e juízos nem sempre alcançarão a certeza apodítica sobre esses assuntos, ao menos deve-se buscar delimitar qual a natureza das questões politicas, seus limites e possibilidades, ainda que não saibamos como resolver as coisas políticas in concreto, é melhor conhecer antes o que são essas coisas, para depois pensar nas questões particulares que as envolvem. Isto quer dizer que, segundo Strauss,
[t]odo conhecimento das coisas politicas implica suposições a respeito da natureza das coisas políticas; isto é, suposições que dizem respeito não somente à situação política dada, mas à vida política ou à vida humana enquanto tal. (STRAUSS, 2016, p. 34)
Uma das principais adversárias da filosofia política - entendida em seu sentido clássico - no século XX, segundo Strauss, é o positivismo, que rejeita não tanto os conteúdos quanto a própria possibilidade da filosofia política. Suas teses principais são:

(i) a diferença entre fatos e valores, sendo apenas os primeiros passiveis de verificação empírica - e cientifica, portanto - e os segundos sendo resultados de afetos subjetivos não verificáveis;

(ii) neutralidade das ciências empíricas, que julgam os fatos brutos - e dessa forma, qualquer juízo de valor quebraria a neutralidade e estaria fora do escopo de certeza exigido pela ciência,

(iii) a tese da insolubilidade dos conflitos de valor, de Max Weber, que diz que entre valores, por seu caráter subjetivo, não pode haver soluções certas pela ausência de critério objetivo para mensura-los;

(iv) a suposição de que o conhecimento cientifico é o mais elevado, e a consequente rejeição do conhecimento pré-cientifico;

(v) o historicismo, que sendo um desenvolvimento do positivismo, tem um status relativamente autônomo, de tal forma que rejeita algumas de suas principais teses, como a da distinção entre fatos e valores - pois todo conhecimento implica certas avaliações acerca do objeto conhecido - e a de que o conhecimento cientifico é o mais elevado - pois sendo um modo de conhecimento também condicionado historicamente, é tão relativa a nossos tempos como a astrologia o foi nos tempos antigos, sendo apenas mais uma forma entre outras.

À estas objeções, Strauss responde que (i) é impossivel estudar os fenomenos sociais importantes sem fazer juizos de valor, pois sempre que se vai analisar um objeto, o investigador sempre há de eleger os aspectos mais relevantes deste objeto para por em destaque, e essa escolha destes aspectos relevantes ja implica um juízo de valor. Esta resposta se assemelha com a investigação do jusfilósofo John Finnis, que formula o conceito de caso central para responder à esta concepção positivista nas ciências sociais. O exemplo mais simples disso é o de uma faca: pergunta-se o que é uma faca, e poderia-se responder de várias maneiras, dizendo ser um objeto com um cabo passível de ser segurado, com uma resistência razoável, com uma lamina, afiada ou não, etc. Ainda que eu possa definir esta faca segundo estes quesitos acidentais (cabo, resistência, etc), a melhor descrição da faca seria aquela na qual o cientista considera o fim para o qual a faca foi feita, isto é, cortar, e dessa forma, toda descrição da faca, será feita em função de seu caso central, o caso que elegemos do exemplar que melhor realiza seus fins. E mesmo isso sendo uma descrição, ela já implica uma valoração das notas mais relevantes, e essa valoração, muito longe de afetar negativamente nossa descrição, a eleva e lhe dá mais precisão. E segundo uma perspectiva clássica, Strauss diz que :
"[a] tentativa de substituir a busca da ordem política melhor por uma ciência politica puramente descritiva ou analítica que se abstêm de 'juízos de valor' é, do ponto de vista dos clássicos, tão absurda quanto a tentativa de substituir a arte de fazer sapatos, vale dizer, sapatos bons e bem ajustados, por um museu de sapatos feitos por aprendizes, ou quanto a ideia de uma medicina que se recuse a distinguir a saúde da doença." (STRAUSS, 2016, p. 85)

Respondendo à tese da insolubilidade dos conflitos de valor, Strauss responde simplesmente que (ii) esta nunca foi provada. Ora, essa insolubilidade só seria plausível se considerássemos os valores apenas como estados afetivos subjetivos impassíveis de qualquer classificação objetiva em qualquer escala; mas caso o que se chama de valor não seja isto - e não é -, está tese cai por terra, e propõe uma tese sob premissas não discutidas ou provadas (i.e. de que a valoração é um mero estado afetivo/subjetivo/emotivo incapaz de ser objetivamente mensurado).

Por fim, parece que o positivismo cientificista é (iii) negligente com algumas questões primárias, e acaba por levar à uma posição mais dogmática da ciência. Ora, a posição cientifica não percebe que ela mesma está cheia de pressupostos filosóficos dúbios ou ao menos não demonstrados. Também é patente que, não podendo justificar a si mesma pelo seu próprio método (o que a levaria a cair em uma petição de princípio), ele mesmo necessita de uma defesa filosófica, fora das ciências empíricas, que o justifique. Assim, o cientificismo, segundo seus pressupostos filosóficos implícitos, é julgado pela filosofia como pressupostos válidos ou não, razoáveis ou não, certos ou incertos.

2. Do clássico ao moderno.
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"...o clássico é caracterizado por uma simplicidade nobre e uma grandeza serena." (Joachin Winckelmann, citado por STRAUSS, 2016, p. 45)
Após discutir a natureza da Filosofia Política e o adversário principal dela, o positivismo, Strauss passa a considerar duas soluções que foram dadas para responder à questão da natureza, conteúdo e possibilidade da Filosofia Politica: as soluções clássicas e as modernas.

Nas soluções clássicas, os paradigmas são Platão e Aristóteles, nos quais a Filosofia Política é guiada pela questão do melhor regime, que "é a ordem, a forma, que dá à sociedade o seu caráter" (STRAUSS, 2016, p. 51). Essa questão do melhor regime surge a partir da questão dos fins da sociedade, que para os clássicos, é a virtude, que só se tem por uma educação, que por sua vez requer ócio e certa riqueza capaz de prover essas condições; assim, sendo o fim da sociedade a virtude, o regime deve ser proporcional ao fim para o qual a sociedade se destina. E pelas exigências que a educação na virtude faz, maior parte dos autores clássicos tem uma visão negativa da democracia, que seria o governo dos não educados (pela falta de riquezas e de ócio, não tem educação, e não tendo educação, não são educados na virtude); e por isso, geralmente vêem no regime misto ou na República Aristocrática o regime adequado à meta da sociedade.

As soluções modernas, apesar de suas divergências internas, guardam um princípio em comum: a rejeição da abordagem clássica como utópica, irrealista, que pressupõe uma sociedade de anjos, etc. Esse princípio se inicia com o fundador da Filosofia Politica Moderna, Nicolau Maquiavel (1469-1527), que rejeita o esquema clássico como utópico, rejeita a noção de virtude como meta da sociedade buscando rebaixar os padrões morais para que se tornem mais factíveis, definindo assim a virtude nos termos do bem comum da sociedade politica - o que o distingue dos clássicos, que definiam o bem comum a partir de uma concepção de virtudes dentro da comunidade politica - e assim defendendo a ordem correta como a república pragmática. Segundo Strauss, o argumento de Maquiavel nessa mudança do conceito de bem comum é a seguinte:
"Por bem comum, devemos entender os objetivos efetivamente perseguidos por todas as sociedades. Esses objetivos são: liberdade em relação à dominação estrangeira. estabilidade ou império da lei, prosperidade, glória ou império. A virtude no sentido efetivo da palavra é a soma dos hábitos que são requeridos para esse fim, dos hábitos que conduzem a ele. É esse fim, e apenas ele, que torna nossas ações virtuosas. Tudo que é feito, com efetividade, em nome deste fim é bom. Esse fim justifica os todos os meios. A virtude nada mais é que a virtude civica, o patriotismo, ou a devoção ao egoísmo coletivo." (STRAUSS, 2016, p. 60)
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Quem há de aprofundar a abordagem de Maquiavel é Thomas Hobbes (1588-1679), que aceita à crítica de Maquiavel aos clássicos, e coloca o poder - e não a virtude - na base de seu pensamento político; mas esse poder, diferentemente de Maquiavel, já é elaborado a partir de um esquema de direito natural - completamente distinto do que a tradição jusnaturalista aristotélica e escolástica entendia - derivado das necessidades e impulsos elementares do ser humano, como o medo, egoísmo, desejo de autopreservação e o medo da morte violenta. 
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Locke (1632-1704), mais tarde, irá manter esse desejo de autopreservação como uma das bases de seu pensamento, mas distingue-se de Hobbes por não ter o poder na centro de sua abordagem acerca da autopreservação, mas sim o direito de propriedade, que garante ao homem meios para melhor atingir seu fim. Montesquieu, segundo Strauss, também se afasta da abordagem das virtudes para pensar nas coisas políticas, e acaba por transferir ao comércio seu foco.

Por fim, Rosseau (1712-1778) é ao mesmo tempo uma ruptura e uma continuidade com os autores modernos anteriores, porque se ele é pai do contramovimento que deu as bases ao romantismo, ele mantem a autopreservação como raiz da sociedade civil, formulando também um argumento de direito natural a partir da concepção de estado de natureza, que passa a ser a meta do homem social. Formula também a doutrina da vontade geral, que não pode errar, uma vez que sendo o bem civil o que é acordado pela sociedade em um contrato social, e este contrato é feito pelas vontades, as vontades concordes não podem ser injustas - e aqui temos um princípio de argumento voluntarista.
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Quando se analisa as bases do pensamento político moderno, extremamente abstrato e dificil até mesmo de imaginar certos conceitos como "vontade geral", "estado de natureza", e outros, Strauss contrapõe com os clássicos, dizendo que
Comparado à filosofia politica clássica, todo pensamento político posterior, quaisquer que sejam os seus méritos, e em particular o pensamento político moderno, tem um caráter derivado. Isso quer dizer que os tempos posteriores conheceram um distanciamento em relação às questões simples e primárias. Esse distanciamento conferiu à filosofia politica o caráter da "abstração", engendrando, portanto, a visão de que o movimento filosófico deve ser um movimento não da opinião para o conhecimento, não do aqui e afora para o que é sempre ou eterno, mas do abstrato para o concreto. Pensou-se que, em virtude desse movimento na direção do concreto, a filosofia mais recente teria superado as limitações não apenas da filosofia política moderna, como, também, da filosofia política clássica. O que não foi considerado, entretanto, é que essa mudança de orientação perpetuou o defeito original da filosofia moderna, na medida em que aceitou as abstrações como ponto de partida, e que o concreto no qual assim se chegava não era, de forma alguma, o verdadeiramente concreto, mas ainda uma abstração. (STRAUSS, 2016, p. 46)


 3. As três ondas da modernidade
Para Leo Strauss, a modernidade vive uma crise, que consiste em que "o moderno homem ocidental não sabe mais o que quer - de que ele não mais acredita poder saber o que é bom ou mau, o que é certo ou errado." (STRAUSS, 2016, p. 93)

A primeira onda da modernidade pode ser identificada em Maquiavel, que foi o primeiro a rejeitar por completo a abordagem clássica da política, com sua (i) definição da virtude em termos do bem comum, sua (ii) visão mais rasa de moralidade - não tão alta para não ser utópica - , (iii) por sua visão de que a Fortuna (acaso) pode ser conquistado pela força e (iv) pela sua rejeição da noção clássica de natureza, agora tendo sido influenciado pela revolução das ciências naturais. Então duas características dessa primeira onda são (a) a redução do problema político e moral à um problema técnico e (b) o conceito de natureza passa a ser compreendido a partir da civilização como um artefato humano. Desenvolvendo o pensamento de Maquiavel, ainda na primeira onda, temos Thomas Hobbes, que Strauss sintetiza sua importância da seguinte maneira:
Pode-se descrever a mudança operada por Hobbes do seguinte modo: enquanto antes dele a lei natural era entendida à luz de uma hierarquia dos fins do homem na qual a autopreservação ocupava o lugar mais baixo, Hobbes entendeu a lei natural exclusivamente em termos de autopreservação; em conexão com isso, a lei natural veio a ser entendida primeiramente em termos de direito de autopreservação enquanto oposto a toda obrigação ou todo o dever - um desenvolvimento que culmina na substituição da lei natural pelos direitos do homem (com "natureza" dando lugar à "homem" e "lei" sendo substituida por "direitos"). (STRAUSS, 2016, p. 100)
 A segunda onda da modernidade tem como fundador Jean Jacques Rosseau, que (i) retoma o problema da virtude com o recurso ao estado de natureza e da relação entre natureza - que passa a ser resultado do desenvolvimento do homem até o momento -  e sociedade civil, sendo a sociedade civil fundada a partir do acordo da vontade geral - que toma lugar da lei natural - que, por seu caráter consensual, não pode falhar. na doutrina de Rosseau se funda o romantismo e o idealismo alemão, principalmente em sua concepção de estado de natureza. Neste sentido,
[a] bondade da mera existência é experimentada no sentimento da (própria) existência. É esse sentimento que dá ensejo à preocupação com a preservação da existência, a toda atividade humana; mas essa mesma preocupação impede o gozo fundamental e torna o homem triste. Apenas retornando à experiencia fundamental o homem pode ser feliz(...). (STRAUSS, 2016, p. 104)
Por fim, a terceira onda da modernidade inicia com Nietzsche,que entende a existência como uma experiencia de terror e angustia com a relatividade dos ideais humanos na história, sendo todos eles nada mais que frutos e criações humanas, o que funda o projeto da transvaloração dos valores, cuja raiz está na vontade de poder. Essa terceira onda, niilista, de um [super] homem cruel, que esta acima do bem e do mal, segundo Strauss, fez com que uma das implicações naturais dessa concepção fosse o fascismo no século XX, enquanto da primeira e da segunda onda, foi originada a teoria da democracia liberal
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