Mário Ferreira dos Santos (1907-1968) é um dos grandes filósofos brasileiros do século passado cuja obra abrange mais de 45 volumes de sua Enciclopédia de Ciencias Filosoficas e Sociais e somados à uma obra original na história do pensamento filosófico brasileiro.
Uma de suas principais contribuições para a filosofia, que será o objeto deste trabalho, é a formulação de um sistema filosófico original, que ele chamou de Filosofia Concreta, cujo nome deriva do latim cum e crescior, crescer com, crescer junto. Este nome se justifica pelo caráter positivo desta filosofia, que se mostra aberta a crescer com as positividades de todos os sistemas filosóficos capazes de contribuir para um verdadeiro saber, isto é, temos aqui um sistema que cresce junto com as positividades e com as pequenas verdades que cada filosofia alcançou e coloca-los dentro de uma magistral síntese.
E perceba-se aqui que o que Mário esta tentando fazer não é um ecletismo monstruoso no qual filosofias diversas são mescladas entre si sem critério e com proposições contraditórias (de fato, Mario toma contribuições desde Pitágoras, Platão, Aristóteles, São Boaventura, Santo Tomás de Aquino, Suarez, Husserl, etc), mas sim uma verdadeira síntese que parte de um método bem preciso e particular — a dialética ontológica — , que passará a ser explicado.
O principal problema a ser resolvido pela filosofia concreta é o da descrença quanto ao caráter apodítico da filosofia, que passou a ser considerada como um conjunto de opiniões diversas cuja certeza é impossível, sendo assim o método cientifico o único critério de verificabilidade e certeza. Ora, a Filosofia Concreta, portanto é “uma matematização da filosofia (no sentido mais elevado de matemática, que não se cinge apenas ao campo quantitativo), fundada em juízos apodíticos, universalmente válidos , que decorrem,segundo o nosso método dialético, de fundamentos ontológicos.” (SANTOS, 2009, p. 47). Ela busca um fundamento seguro para o filosofar, um fundamento do qual não se possa duvidar e seja capaz de fundar uma certeza apodítica; este fundamento permite com que filosofemos com um rigor matemático, quase a mos geométricus.
Feita essa introdução à Filosofia Concreta, iniciemos suas teses principais, fundadas sobre o Ponto Arquimédico, e o método da obra.
A tese com a qual o autor inicia a obra, o seu ponto Arquimédico, é a proposição “algo há”. Desta primeira tese, desenvolve-se toda a argumentação do livro. O método de provar seus postulados se dá tanto pela via racional imediata quanto mediata (demonstração), a demonstração por sua vez pode ser direta ou indireta, se for direta, pode ser indutiva ou dedutiva, e assim por diante; se for indireta, Mário se utiliza principalmente do argumento ad absurdum, para mostrar a impossibilidade de provar falsas suas teses sem cair em absurdos. A não aceitação de uma tese posterior implicaria a negação de uma tese anterior já demonstrada, e em última análise, do Ponto Arquimédico, e portanto, toda a tentativa de atacar as teses posteriores cairia no absurdo de ter que negar a tese evidentíssima de que algo há.
Atente-se que esta tese 1: “Algo há”, para Mário, pode ser o ponto seguro para o inicio do filosofar, por duas razões: (i) ela não é demonstrável, é mostrável, e (ii) nega-la seria cair no absurdo.
Quanto à tese 1, Mário explica que vários postulados surgidos a partir dela aparecem por intuição apofântica, na qual
Em síntese, poderíamos considerar a argumentação desse fundamento da Filosofia Concreta nas seguintes proposições: Algo há. O Nada Absoluto não há, pois se houvesse, algo seria. Este Nada Absoluto, não pode preceder o Ser porque se precedesse o Ser viria do Nada, seria gerado pelo Nada, e a capacidade de gerar é uma positividade - o que já impossibilita o Nada Absoluto. Então, o Ser sempre houve, e o Nada absoluto nunca houve. O Ser, tendo sempre existido, não depende de outro para ser gerado, e portanto é Absoluto (ab solutum). Dessa forma, conclui-se que:
“…[n]ão há propriamente dedução, nem indução, há revelação, desnudamento, desvelamento. A necessidade ontológica ressalta, exibe-se e ela mesma inaugura a descoberto pelo espirito do homem. E o rigor ontológico, é o logos do ontos examinado, que esplende, que ilumina o que estava oculto (apô-phaos). Nosso trabalho é, então, apenas intuitivo- apofântico, e a racionalização processa-se a posteriori.” (SANTOS, 2009, p. 99)
Em síntese, poderíamos considerar a argumentação desse fundamento da Filosofia Concreta nas seguintes proposições: Algo há. O Nada Absoluto não há, pois se houvesse, algo seria. Este Nada Absoluto, não pode preceder o Ser porque se precedesse o Ser viria do Nada, seria gerado pelo Nada, e a capacidade de gerar é uma positividade - o que já impossibilita o Nada Absoluto. Então, o Ser sempre houve, e o Nada absoluto nunca houve. O Ser, tendo sempre existido, não depende de outro para ser gerado, e portanto é Absoluto (ab solutum). Dessa forma, conclui-se que:
- Algo há. E sua existência prova a impossibilidade do Nada Absoluto em qualquer momento.
- O Nada Absoluto (a ausência de qualquer positividade) não há, pois se houvesse,se tivesse positividade, seria algo. Mais: o Nada Absoluto não pode ter existido nunca, pois se o Nada Absoluto (nihilum) alguma vez existiu, o Ser nunca poderia existir ou vir a ser - pois o Nada Absoluto não pode gerar qualquer ser, pois se pudesse, teria positividade e seria algo - , e portanto, se nunca houve o Nada Absoluto, sempre houve algo, ser: não pode haver rupturas no ser.
- Se o Nada Absoluto não é possivel, não precedeu o Ser; logo, o Ser é Absoluto (ab solutum) e sempre existiu. E se sempre existiu, é eterno, e também condição para a efetivação dos seres que nem sempre existiram.
- Tem de ter havido um Ser (necessidade) para a possibilidade de ser a outros entes (contingência). Este Ser Necessário é Deus, fundamento de todos os seres que se efetivam.
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