segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O que é ser um tomista? (Santiago Ramirez, O.P)

TRADUÇÃO DE TRECHOS DO ARTIGO DO FREY SANTIAGO RAMIREZ. RETIRADO DE: http://www.traditio-op.org/biblioteca/Ramirez/Que_es_un_tomista_Jacobus_M._Ramirez_OP.pdf

TRADUÇÃO: LUCAS FONSECA DOS SANTOS

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Como a fecundidade é uma propriedade da vida perfeita e a vida não existe em abstrato, mas sim em um sujeito vivo, é necessário concluir que a fecundidade do tomismo deve brotar da vida tomista perfeita existente nos tomistas perfeitos.

Por tomista não entendemos uma palavra vazia, (...) mas sim aquele que participa ou tem ou aspira ter o espírito de Santo Tomás de Aquino, e que procura, o quanto puder, penetrar mais no obrar e no seu espirito e em conformidade com ele.

Daí se conclui que a doutrina filosófica de Santo Tomás não é a filosofia de um homem só, mas sim de toda a humanidade pensante, depurada e elevada à Deus e julgada a partir Dele; e o mesmo se pode dizer de sua teologia, que não é a teologia de um Doutor particular, mas a de todo o cristianismo, sistematizada e unificada em Deus, e animada pela divindade mesma reveladora, que é seu objeto formal.

Em Santo Tomás não é possível separar sua oração de seu estudo, como não é possível separar sua sabedoria de sua santidade, pois santificando-se fez-se sábio e estudando se santificou; nele não se explica sua ciência sem sua oração, nem sua oração sem sua ciência.

Se nos é licito nos expressar assim, Santo Tomás é um caso típico e concreto de união e da harmonia entre a razão e a fé, entre a santidade e a ciência, entre a Filosofia e a Teologia; ele mesmo é a encarnação nata de seu próprio sistema, e por isso o primeiro tomista e o tipo de tomismo puro e integro é o próprio Santo Tomás em pessoa. 

Santo Tomas  é um espirito enamorado da verdade em todas as suas manifestações: em primeiro lugar, da Verdade subsistente e pessoa, que é o Verbo de Deus, e depois, de toda verdade derivada desse Verbo, ja como impressão direta na Revelação cristã, ja como presente nas obras da criação e nos filósofos, que são seus leitores e interpretes.

Desse amor intenso à verdade nasce sua laboriosidade imensa, que lhe faz busca-la por todos os meios possíveis, sem descanso nem repouso; isto é, pelos sentidos e pela razão, pela leitura e pela meditação, pelo estudo e pela oração; em uma palavra: busca-la com toda a sua alma, com todas as suas potencias e com todas as suas forças. Por isso, quando no dia 6 de dezembro de 1273 deixou de escrever e retirou seus instrumentos de escritura, estando como que fora de si, arrebatado em Deus, Frei Reginaldo pensou que havia ficado louco de tanto trabalhar.

Deste mesmo amor se compreende sua amplitude de critério e seu respeito e tolerância para com todos os pensadores; porque em todos eles reverbera de algum modo a Verdade Eterna, que illuminat omnem hominem venientem in hunc mundum; mas precisamente porque busca, em primeiro lugar e sobretudo, a Verdade subsistente e pessoal, não a perde nunca de vista, e por isso tende sempre a ver todas as verdade derivadas nessa Verdade única, que é por quem todo ser e toda verdade se tem feito, e por isso aspira como a seu desideratum o plano divino pelo qual tudo foi criado, tanto na ordem da natureza quanto na da graça.

Em Santo Tomás, não há dualidade de vidas irredutíveis, uma especulativa e outra afetiva, mas as duas, elevadas a uma perfeição sobre-humana, se fundem e se completam mutuamente, resultando uma só vida integral perfeitíssima (...).    

Segue-se dai que o espirito de Santo Tomás é um espírito universalista e magnânimo, não pequeno nem singularista; mas, ao mesmo tempo e sobretudo, é um espirito eminentemente sintético e profundo, penetrante até as últimas raízes das coisas, como o Verbo mesmo que cria o ser e ve todas as coisas no Ser subsistente, fonte de todo ser.  
Em uma palavra: a obsessão do espirito de Santo Tomás é o Verbo de Deus, de quem teve a sorte de ouvir: "Bene scripsisti de me, Thoma. Quam ergo mercedem accipies?" Santo Tomás não vacila em responder, porque tinha feito essa decisão desde muito pequeno: "Non aliam, nisi Te, Domine!". Do verbo tirava todo o seu saber como de sua primeira fonte, e sobre o Verbo fundou toda a sua ciência como sobre seu primeiro principio; por isso sua doutrina é eterna como o Verbo, e imóvel e verdadeira como Ele. Nada estranho, então, que seus biógrafos lhe chamassem de órgão do Verbo e que a Igreja lhe honre com o título de Doctor Veritatis.
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A amplitude do espirito tomista exige que o tomista o estude todo,no máximo possível, em suas próprias fontes, à imitação do Santo Doutor. Deve, pois, conhecer a funda a Sagrada Escritura e estar ciente dos adiantamentos exegéticos dos últimos tempos; deve dominar os Padres da Igreja, em seu aspecto doutrinal e crítico, não com a superficialidade de um simples historiador, mas sim com a profundidade de um teólogo; deve estar familiarizado com todos os teólogos antigos e modernos, hostis a Santo Tomas e defensores dele; deve possuir muito bem a Filosofia antiga e a de seu tempo, a sã e a falsa, para aproveitar-se daquela e impugnar a esta e saber demarcar com verdade e acerto os limites da fé e da razão; em suma, deve trabalhar por dominar tudo a partir do Verbo de Deus, como o fez Santo Tomás, que dominou toda a ciência de seu tempo e fez com que ela servisse a Deus.

Um só homem não pode por si mesmo abarcar tudo isto, mas deve trabalhar o possível para aproximar-se deste ideal.  Depois de um estudo de conjunto, que todos podemos fazer, é preciso especializar-se e fazer monografias completas sobre pontos determinados, segundo todas as exigências do ideal tomista. Isto é possível realizar, e do conjunto dessas monografias bem feitas sairá um tomismo completo, verdadeiramente ampliado. Por isso, se é irrealizável um tomista absolutamente perfeito, é por outro lado possível os tomistas perfeitos enquanto corporação. Ademais, é sabido que a ideia de perfeito é relativa e admite infinidade de graus: quando falamos do tomista perfeito, entendemos uma perfeição humana, segundo a possibilidade da nossa fraca natureza. Nem queremos dizer que o tomista perfeito leia e estude tudo, absolutamente tudo, inclusive as vulgaridades de todos os livros, folhetos e artigos de vulgarização, que em nossos tempos são infinitos; mas sim que nos referimos às obras magistrais e de fundo.

Para compreender devidamente o tomismo, tal como o concebeu Santo Tomás, e amplia-lo ao mesmo tempo, é preciso fazer simultaneamente um estudo de penetração e comparação da doutrina tomista em Santo Tomás e em seus continuadores até nossos dias. Pela comparação com outros sistemas e doutrinas veremos suas fontes, seus progressos e seus desvios através dos séculos, e assim abriremos o caminho para penetrar na alma ou forma substancial do tomismo puro.

Um comentário:

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